Sobre os autores:
Edvaldo Souza Couto é PhD em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas. Sua pesquisa se volta às questões de corpo e
tecnologia, sexualidade e tecnologia, estética, filosofia da técnica, educação
e tecnologia, entre outras subáreas. Em seu currículo, diversos livros foram
organizados por ele, entre os quais encontra-se “A vida no Orkut”. Atualmente é
professor da Faculdade de Educação da UFBA.
Telma Brito Rocha é pedagoga, mestre e
doutora pela Faculdade de Comunicação – UFBA. Atualmente é professora do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. Sua pesquisa
compreende o uso da internet segura, educação on-line e inclusão de alunos com
deficiência em instituições de ensino por meio de tecnologias assistivas.
Objetivos do capítulo: O estudo
observa as diversificadas experimentações de “eus” provenientes da manipulação de
diversos recursos oferecidos pelo Orkut. Os autores atentam, especificamente,
para a possibilidade de criação de perfis fakes
e quais são as variáveis utilizadas para que esta personalidade seja construída
e sustentada.
Argumentação
Central: Discute o
processo de formação identitária na Internet, sobretudo nas redes sociais
digitais, à luz de autores como Baumann, Hall e Turkle. Utilizando o site de
relacionamento Orkut como objeto, os autores procuram compreender como se
configuram as identidades on-line dos
usuários destes sites, problematizando, inclusive, se tal distinção entre persona on-line e off-line é válida. A partir do resgate de contribuições teóricas
anteriores no contexto da “modernidade” (a partir da revolução industrial), a
identidade contemporânea é observada como líquida e fugaz, possuindo,
atualmente, inúmeras ferramentas através das quais se apresenta aos demais
usuários destas redes – incluindo a possibilidade de criação de “falsas
identidades” ou perfis fakes. Neste
sentido, discorrem sobre os efeitos que tais (re)configurações causam sobre a
subjetividade humana.
Tópico 1 - Introdução: O estudo
inicia sua argumentação apresentando conceitos relacionados às noções de
identidade nas épocas pré-moderna e moderna. No primeiro caso, a partir de
Giddens, os autores afirmam que tal noção era parcamente concebida. Ou melhor,
a individualidade era suprimida por um todo social e, desta maneira, a noção de
indivíduo – dotado de um caráter único – era pormenorizada. Com o sistema
capitalista e a organização social em grandes centros urbanos, o indivíduo uno,
centrado, ganha atenção. A contribuição de Descarte ilustra este processo:
“penso, logo existo” define um sujeito dotado de uma “essência pessoal” e
partícipe de uma universalidade humana. Os ideais iluministas sustentam tal
concepção, situando o indivíduo enquanto ser centrado, unificado, completo de
capacidades de razão, de consciência e de ação.
Já no
século XX, as contribuições feitas por Freud, na psicanálise, propuseram outras
perspectivas para pensar a constituição de um indivíduo. A partir de seu estudo
sobre o inconsciente e a estrutura da psique humana, a ideia de um sujeito
unificado foi abalada. Esta formulação abarca a ideia de um sujeito
desconhecido para si próprio, dotado de inúmeras estruturas psíquicas que, não
necessariamente, este tem acesso direto. O ser de Freud é um somatório de
fragmentos. Neste sentido, o estudo de Freud reverberou em trabalhos futuros
sobre a identidade. Lacan, por exemplo, afirma que o sujeito é formado a partir
do olhar do outro e que o indivíduo só conhece a si próprio mediante a relação
com outrem. Aquilo que “é” não é mais um produto acabado, dotado de uma
“essência”, mas se constitui ao longo do tempo, em um processo mútuo de
dependência com o outro. Hall propõe, portanto, a substituição de nomenclaturas
para melhor compreender este processo. Segundo ele, “identidade” alude a uma
“coisa acabada”, sendo assim, o termo mais correto seria “identificação”, pois
alude a um processo em andamento.
A partir
da ideia de “modernidade tardia”, resultante da globalização, os autores visam
discutir as diversas possibilidades no processo de criação do “eu” em ambientes
digitais. As identidades (no plural) passam por um processo de fragmentação e
deslocamento, suscitando questionamentos acerca das práticas sociais presentes
nestes locais de interação. A discussão segue no tópico seguinte, “Identidades
contemporâneas”, onde são discutidas algumas questões concernentes a esta
temática.
Tópico 2 – Identidades contemporâneas: No
presente tópico, os autores apontam para o trabalho de Foucault com relação ao
poder disciplinar presente em determinadas instituições da sociedade. Segundo
ele, o indivíduo estaria sempre sujeito às influências de tais estruturas e,
por conseguinte, sua subjetividade estaria enraizada nos limites e nas
determinações destas instituições. “Quanto mais coletiva e organizada for a
natureza das instituições na modernidade tardia, maior o isolamento, a
vigilância e a individualização do sujeito” (p. 17). Ou seja, o produto humano
derivado das estruturas da modernidade tardia é um indivíduo atomizado, com
pouco poder de influência sobre o meio em que vive. Estas relações de poder
(patrão sobre empregado, por exemplo) evidenciam uma dimensão mais política e
cultural sobre a formação identitária.
Neste
sentido, os reflexos da globalização sobre os meios de comunicação e as novas
características de espaço e tempo arraigadas a ela, permitiram formas de
interação inéditas até então. Com as distâncias comprimidas e a possibilidade
de estar conectado, em “tempo real” com pessoas geograficamente afastadas, os
indivíduos têm à disposição inúmeras plataformas de interação pelas quais se
apresenta aos demais mediante suas próprias escolhas. Ou seja, preenchendo um
formulário com características pessoais, o sujeito é - se faz - conhecido por
aquilo que alega ser, em um espaço onde a presença física é substituída por
dígitos e imagens. A possibilidade de edição desta apresentação, através do
cuidado na captura, edição e seleção das imagens que irão compor o profile, assim como as informações sobre
suas preferências e características, ilustram aquilo que teóricos mais
pessimistas chamam de “crise da identidade”. Gioielli afirma que as identidades
“[...] estariam rumando para um estado de homogeneidade, operado através da
indústria cultural”. Tal critica se fundamenta, como apontam Couto e Rocha, na
ideia de que o processo de transformação cultural pauta-se na mudança enquanto
um processo de desvirtuamento, de mercantilização das formas culturais
autênticas, fazendo emergir uma cultura padronizada, industrializada e
artificial. O consumo seria, pois, a peça-chave deste processo em que a
autoidentificação com objetos do mercado constituem aquilo que se é.
Em
contrapartida à ideia de homogeneização global, os “nichos” apresentam um novo
viés para se pensar o local. As identidades culturais são relativizadas pela
crescente compressão tempo-espaço. Se reconfiguram em torno da influência do
global, assim como utilizam elementos do local em sua constituição. Unindo tais
ideias ao objeto selecionado, o próximo tópico apresenta uma aproximação que
permitirá discutir as identidades múltiplas no contexto das redes sociais
digitais.
Tópico 3
– O Orkut e as identidades múltiplas, nômades, ou mais ou menos inventadas:
Ao início do tópico, alguns dados relacionados à rede social em questão
são apresentados como forma de evidenciar a relevância de tal objeto de estudo.
O que é interessante pontuar aqui, no entanto, é que o Orkut é a rede social
com maior participação de brasileiros (35 milhões, em 2009). Para “entrar” no
Orkut, o usuário cadastra-se e, ao fazer o primeiro login, tem a opção de preencher ou ocultar informações como “quem
sou eu” e “interesses”, por exemplo. Há um espaço para descrição física e
emocional, estado civil, entre outras lacunas a serem preenchidas que
fornecerão pistas aos interagentes. Estas informações são imprescindíveis para
as interações que ocorrerão posteriormente, pois aludem a uma identidade
naquele ambiente.
Uma vez que o controle sobre o que será evidenciado é do indivíduo que
se apresenta, há a possibilidade de informar características fictícias, acentuando
ou atenuando aspectos que deseja. Cabe abordar, neste momento, o destaque dado
pelos autores aos fakes. Os perfis falsos
são utilizados, em alguns casos, para facilitar comportamentos inadequados,
escamotear práticas criminosas, violar direitos humanos e aliciar crianças e
adolescentes. Obviamente, os fakes
são utilizados para outros fins, como a sátira com personas públicas, a
possibilidade de bisbilhotar sem ser identificado, entre outras práticas. Os
recursos de autenticação dos perfis fake são
inúmeros. Dentre eles, adicionar amigos “verdadeiros” em seu círculo de
relações gera a sensação de legitimidade. A ideia básica é: se a pessoa que não
conheço, é amigo de um amigo, sou mais propenso a inserí-lo em meu círculo de
relações.
Uma pessoa pode experimentar ser outra (ou várias outras) com
características físicas completamente diferentes. Pode explorar sentimentos
enclausurados “no mundo real”, assim como fugir deles. Sherry Turkle direciona
seu trabalho neste sentido, abordando o “eu” enquanto constituição descentrada,
dotada de inúmeras facetas e desempenhando diversos papéis simultaneamente. Na
rede, as identidades são constantemente manipuladas, tomando formas diversas. “Um
outro ‘eu’ em cada janela do computador”. As identidades contemporâneas são,
desta maneira, engendradas por um conjunto de acontecimentos que são vividos on
e off-line, numa profunda organicidade líquida (como afirma Bauman).
É interessante a abordagem feita por Couto e Rocha acerca dos profiles. Segundo eles, estes perfis são
uma antevisão que irá intervir nas escolhas, comportamentos e ações presentes.
Não a toa o termo profile (pro – file) alude à ideia de um
pré-registro, uma preodenação. A citação do trecho (p. 27) de um texto de
Fernanda Bruno (2006) é cabível para a compreensão das “simulações de
identidade” enquanto constituições móveis, latentes. “No Orkut, além de
camaleônicas, elas também são publicitárias, um brilho efêmero para um sujeito
que vive da pulverização encantada e pavoneada de si mesmo.” (p. 28)
Tópico 4 – Conclusões: Os autores concluem a argumentação afirmando
que os fakes nem sempre são utilizados para a violação de direitos humanos ou
outras práticas negativas. Os indivíduos experimentam novas identidades para
demonstrar sentimentos e pensamentos muitas vezes enclausurados no “mundo
real”, o que, no ambiente simulado, torna-se mais acessível, sobretudo pela
menor incidência da direta reprovação dos demais indivíduos. Estes meios são
observados pelos autores como um repositório de identidades mais íntimo e
verdadeiro. A noção de uma identidade “verdadeira” ou “falsa”, inclusive é
problematizada, uma vez que a constituição de uma identidade contemporânea
permeia a hibridização entre quem se é on e off-line. “A separação entre mente
e corpo, homem e natureza, identidades verdadeiras e falsas, a vida on-line e a
off-line, não mais se sustenta. Não existe separatividade, tudo agora está
relacionado, conectado, em renovação e dispersão contínuas.” (p. 30)
PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS - POSCOM - UFBA
DISCIPLINA:
COM544 – TEMAS EM CIBERCULTURA
PROF.
JOSÉ CARLOS RIBEIRO E MALU FONTES
FICHAMENTO – Imagens
de família na internet: fotografias íntimas na grande vitrine virtual.
DIOGO, Lígia Azevedo; SIBILIA, Paula. Imagens de
família na internet: fotografias íntimas na grande vitrine virtual. In COUTO,
E. S.; ROCHA, T. B. A vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes
sociais. Salvador: EDUFBA, 2010 (p.33 - 55).
POR FELIPPE THOMAZ E LORENA SILVA
Sobre os autores:
Lígia Azevedo Diogo é doutoranda em cinema
pela UFF, sob a orientação de Paula Sibilia. O interesse de sua pesquisa está
nas questões relacionadas ao upload de vídeos no YouTube como elementos de
interação entre os usuários. Participa do grupo de pesquisa Imagem, Corpo e
Subjetividade, da mesma instituição.
Paula Sibilia é doutora em Comunicação
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Saúde Coletiva também
pela UFRJ. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e pesquisa os temas de subjetividade contemporânea, corpo humano,
tecnologias digitais, imagens e práticas corporais. Publicou os livros “O homem
pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais” (2002) e “O show do
eu: a intimidade como espetáculo” (2008).
Objetivos do capítulo: Faz um
comparativo entre o álbum de família anterior à era digital – material e
palpável – e as pastas virtuais de armazenamento de imagens digitais, no caso
específico do “álbuns” do Orkut. Nesta perspectiva, discute temas relacionados
à fotografia e memória e à constituição e manutenção de identidade através da
internet.
Argumentação
Central: As
autoras abordam a relação do observador com a fotografia a partir do trabalho
de Roland Barthes em “A câmara clara”, fazendo um contraponto com as
particularidades da produção, armazenamento e observação de fotografias de
família a partir da internet. Neste sentido, elencam e discutem
particularidades dos dois suportes – físico e virtual -, para compreender as
semelhanças e divergências entre ambos.
Tópico 1 - Introdução: Inicialmente
o trabalho parte de uma releitura d’A Câmara Clara, de Roland Barthes, quando
este propõe uma investigação sobre a fotografia para compreender o que há de
“essencial” neste forma de expressão. Especificamente, o que é examinado são as
fotografias digitais e a organização destas em “álbuns” virtuais no Orkut. A
web 2.0 tornou possível a emergência de novas formas de relacionamento
interpessoal através das imagens. Enquanto algumas destas práticas são
meramente “roupagens digitais” de práticas sociais anteriores, outras se
constituem de fato enquanto novas maneiras de relação humana.
Neste
sentido, as particularidades do meio eletrônico fornecem um interessante
desdobramento a ser investigado. Diogo e Sibilia procuram responder a uma
questão base, neste trabalho: os álbuns de fotografia de família disponíveis em
redes sociais digitais (especificamente o Orkut) são apenas versões mais atuais
daquelas que eram guardadas em nossas casas? Para elucidar tal questão, as autoras
fazem uma abordagem comparativa entre álbuns de família no Orkut e os modelos
antigos, distinguindo-os em suas particularidades constituintes. O objetivo
orbita na tentativa de compreender estes modelos tecnologicamente reciclados
como manifestações de um processo de transformação mais amplo e incitante.
Tópico 2 – Fotografias no Orkut: técnicas para se
fazer conhecer: No intuito primeiro de compreender as divergências
entre práticas fotográficas em redes sociais digitais e em fotografias
“materiais” (imagem revelada sobre um papel, armazenada em álbuns físicos),
faz-se necessário observar, de antemão, a forma de utilização da fotografia
pelos internautas cadastrados no Orkut.
É notório
que uma das principais finalidades das redes sociais é oferecer aos usuários a
possibilidade de se conectar com pessoas já conhecidas e conhecer novas
pessoas. Para quê conhecer pessoas? As autoras, baseadas em dados apresentados
no texto, apontam para duas principais intencionalidades: amizade e namoro.
Considerando
tais objetivos na utilização do Orkut, emerge uma questão relacionada aos modos
pelos quais os indivíduos se conhecem neste ambiente. Como se fazer conhecer e
ser conhecido? Como se expor em um perfil de rede social? Quais os mecanismos
de confiança que imperam em tais meios? Primeiramente, um formulário precisa
ser preenchido. As questões respondidas oferecerão pistas sobre quem se é e o
que objetiva em tal ambiente. As respostas dadas no perfil serão de escolha do
usuário, que tem a opção, inclusive, de não responder, caso não queira. Outros
recursos como a pasta de recados, as comunidades que pertence, os links para
vídeo e as relações que sustenta também auxiliarão no processo de formação da
personalidade no site. Além disso, um atrativo utilizado pela maioria dos
usuários nestes ambientes é a fotografia. Na página principal do perfil, por
exemplo, a imagem constitui-se como um recurso bastante importante. Sua
representação imagética aparecerá em todos os comentários que fizer nesta rede,
sendo, seu detentor, facilmente identificado a partir dela. Há ainda a
possibilidade de criação de “pastas” de fotografias. É possível organizar as
imagens em temas e ter certo controle sobre que poderá ter acesso a elas. Fotos
de viagens, de colegas de trabalho, da família são alguns dos temas comumente
adotados pelos users.
Dado o
fato de que o surgimento da fotografia permitiu uma relação inteiramente nova
da imagem com o objeto representado, a contribuição de Barthes neste sentido se
faz nítida. “Desde que a técnica fotográfica se popularizou, temos nos
acostumado a lidar com a reprodução incontestável do que somos ou do que
aparentamos ser. [...] Essa característica foi fundamental para que a
fotografia se tornasse uma forma de reconhecimento pessoal das mais indiscutíveis
para a sociedade humana” (p. 40-41). Sustentar tal afirmativa não corresponde,
necessariamente, a dizer que mostramos o que somos a partir da semelhança
encontrada na representação fotográfica. Há inúmeros truques de câmera que
podem ser utilizados para “editar a aparência”, tais como enquadramento,
condição de luz, angulação da câmera, postura do sujeito perante a lente etc.
Além disso, softwares como o Photoshop oferecem um vasto leque de filtros pelos
quais é possível pós-produzir a própria imagem. Portanto, aquilo que se
aparenta ser, não necessariamente condiz com a pessoa “real”. Neste sentido, a
fotografia de família parece ser o tipo de imagem de menor discrepância entre o
que se é e o que se pretende ser.
Tópico 3 – Fotografia de família: um documento
veraz: Neste tópico, as autoras começam afirmando que as fotografias de
família parecem ser capazes de registrar as pessoas de maneira mais próxima do
que o que elas realmente são. Em seguida, parte a um breve levantamento
histórico sobre os álbuns de família. Tal resgate reflete na própria conjuntura
social da segunda metade do século XIX, com a valorização do espaço privado e o
posicionamento da família – sua constituição e manutenção – como pilar da moral
do homem moderno, sendo sua subjetividade emoldurada por esta condição. A
popularização da produção e difusão das fotografias contribuiu para as
preocupações de Benjamin com relação ao declínio do “valor de culto” das
imagens em geral. Por outro lado, autores como Barthes situaram os registros fotográficos
– sobretudo as de ordem familiar – como detentores de uma “aura” própria. “A
foto é literalmente uma emanação do referente” (p. 44). Logo, faz-se notória a
relação com a memória, uma vez que “capturar” a própria família é manter viva
um momento que não tornará a ser presenciado, mantendo a memória fixada sobre
um papel fotográfico.
Devido a
uma reconfiguração dos moldes familiares e a relação entre o público e o
privado atualmente ser limitada por uma fronteira difusa e permeável, o
conceito de multidão solitária
(RIESMAN, 1950) emerge. Observa-se, neste sentido, “um deslocamento dos eixos
em torno dos quais cada sujeito edifica o que é. Um deslizamento de dentro de
si (introdirigido) para ‘fora’, ou
melhor: para tudo aquilo que os outros podem enxergar (alterdirigido)” (p. 45).
Tópico 4 – Álbuns de família: refúgio ou vitrine?: A
internet, como reflexo de um processo maior, tem causado mudanças
significativas na maneira com que as pessoas produzem, consomem e valorizam
imagens de família. Enquanto antes as imagens eram armazenadas em álbuns
físicos, de papel, atualmente, com as imagens digitais, nota-se uma evidente
redução da utilização destes suportes. As autoras partem à descrição de
características comuns aos álbuns físicos para posteriormente contrapô-las às
especificidades dos álbuns virtuais:
-
Materialidade e perenidade: Por serem bens materiais palpáveis e permanecerem,
durante a maior parte do tempo, guardadas, a conservação das imagens era
garantida. As fotografias simplesmente não eram jogadas fora, mas retidas em um
invólucro específico, em conjunto com outras imagens relacionadas.
-
Público-alvo restrito e definido: O valor destes álbuns só era reconhecido
pelos familiares envolvidos e por amigos mais íntimos. Para um estranho, ou
alguém fora deste círculo, tais imagens poderiam ser triviais e inexpressivas.
- Guardar
como o objetivo fundamental: A preservação da memória da família era o ponto
principal destes álbuns, assim como manter “próximos” parentes distantes ou
“vivos” os que já tivessem morrido.
- Refúgio
e proteção: No âmbito familiar, em que a intimidade dos indivíduos está mais
aberta, a “verdade” destes sujeitos vem à tona com maior facilidade. Os álbuns
seriam espécies de refúgios para esta autenticidade, daí a necessidade de
mantê-los protegidos de um ambiente externo ao familiar.
Os
atributos dos álbuns presentes em redes como Orkut apresentam atributos
diferentes, os quais são elencados e brevemente discutidos pelas autoras:
-
Virtualidade e descartabilidade: O espaço ocupado pelas imagens digitais não é
físico, mas medido em bits. Neste caso, o sentido de “espaço” se confunde com o
de “memória”, visto que seu armazenamento se dá em discos rígidos. Assim sendo,
tais imagens podem facilmente ser descartadas pelos donos dos perfis e tal
prática, segundo Diogo e Sibilia, é comum entre os usuários destas redes.
-
Público-alvo amplo e indefinido: Devido à própria constituição das redes
sociais digitais, estas imagens, ao serem upadas,
estão disponíveis ao acesso de milhões de pessoas. No caso do Orkut, 45 milhões
de usuários poderão ver uma fotografia íntima de família, caso o dono do perfil
não controle o acesso de indivíduos externos.
- Mostrar
como o objetivo fundamental: Um dos principais objetivos do Orkut é tornar a
vida social de seus usuários mais ativa. Inúmeros recursos são oferecidos para
que o indivíduo se torne (re)conhecível pela máxima quantidade de pessoas
possível. Assim, um álbum de família que passe despercebido é indesejável.
-
Vitrine: Os álbuns de fotografia no Orkut funcionam como vitrines no momento em
que expõem a vida de determinado usuário aos demais “presentes” nesta rede.
Nestes espaços virtuais, as pessoas precisam ser vistas para existir, ser
alguém depende da visibilidade perante outrem.
Tópico 5 – Imagens de família na internet: um
reflexo do que se é: Relendo um trecho tão belo quanto intrigante de “A
câmara clara” de Roland Barthes, quando este, em busca da “essência” da
fotografia enquanto forma de expressão se depara com uma imagem da própria mãe,
aos 5 anos de idade e observa ali “a verdade” do que fora aquela mulher, as
autoras iniciam a discussão acerca da fotografia enquanto repositório de
imagens verossimilhantes em relação àquilo que representam. No caso de Barthes,
ele não revela a imagem de sua mãe sob a alegação de que ela, a olhos
estranhos, não seria mais que “uma fotografia indiferente”. O autor guarda-a em
seu íntimo, onde ela assume o lugar máximo no que se refere à verdade através
de uma imagem. O resguardo adotado por Barthes reflete também a ideia de uma
personalidade sólida, imutável com relação ao tempo. “[...] para ‘ser alguém’
era preciso dispor de um refúgio protegido, para permanecer sendo alguém era
preciso também ser resguardado.” (p. 52).
No
entanto, a configuração social em torno da internet e suas diversas facetas de
interação social parece, segundo as autoras, representar o auge do conceito de
multidão solitária, com o sujeito se constituindo a partir do que está “fora de
si”. As autoras utilizam o exemplo de Vanessa (nome fictício de uma usuária do
Orkut) para compreender as dinâmicas envolvidas no compartilhamento de fotos
familiares em ambientes digitais. Observa-se
que a internauta tem o cuidado de adicionar legendas em suas fotos, como forma
de “esclarecer” aos outros usuários quem são as pessoas de seu círculo primeiro
de relações. Em uma destas imagens, Vanessa põe lado a lado uma fotografia de
quando tinha 5 anos de idade e uma atual. A legenda que utiliza é: “onde você
se reconhece: na foto passada ou no espelho de agora?”. Ao contrário da mãe de
Barthes, reconhecível ao longo do tempo, Vanessa parece saber que em uma destas
imagens não é mais possível reconhece-la. A usuária, neste gesto, desperta o
interesse de Diogo e Sibilia, que afirmam que esta pessoa é o que mostra ser:
algo que pode e deve mudar, um ser instantâneo e fugaz, que se refaz ao
atualizar seu profile no Orkut.
PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS - POSCOM - UFBA
DISCIPLINA:
COM544 – TEMAS EM CIBERCULTURA
PROF.
JOSÉ CARLOS RIBEIRO E MALU FONTES
FICHAMENTO – “Por
favor, aula hoje não!:” O Orkut, os professores e o ensino.
BERGMANN, Leila Mury. “Por favor, aula hoje não!:”
O Orkut, os professores e o ensino. In COUTO, E. S.; ROCHA, T. B. A vida no
Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2010 (p.57
- 77).
POR FELIPPE THOMAZ E LORENA SILVA
Sobre a autora:
Leila
Mury Bergmann é professora de Língua Portuguesa, mestre e
doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente
é bolsista de Pós-Doutorado Júnior do CNPq, sob a supervisão de Rosa Maria
Bueno Fischer.
Objetivos do capítulo: O
presente capítulo objetiva fornecer reflexões acerca de práticas ofensivas dos
alunos para com seus professores em comunidades no Orkut. Desta maneira, propõe
compreender os motivos que levam os alunos a adotarem tais posturas e convida
os próprios professores a pensar métodos de utilização das ferramentas digitais
em benefício próprio. Ou seja, Bergamann anseia fornecer caminhos para repensar
a prática pedagógica.
Argumentação
Central: A partir
de comunidades de fundo ofensivo no Orkut – postura adotada dos alunos aos
professores -, a autora aborda temas relacionados à utilização das “novas”
tecnologias no contexto escolar como forma de diminuir o abismo dialógico entre
o professor e aluno. Para tanto, parte da exemplificação de práticas em
comunidades virtuais para compreender os motivos que levam os estudantes a
adotar tais práticas e propõe uma reflexão acerca dos métodos utilizados no
fazer pedagógico.
Tópico 1 - Introdução: Ao início
do texto, a autora apresenta de maneira sucinta a abordagem que pretende fazer
ao trabalhar com os comentários feitos em comunidades do Orkut cuja a atenção
se volta a comentários negativos e ofensivos a professores e às escolas em que
estudam.
Para
tanto, pontua alguns direcionamentos teóricos que serão abordados ao longo do
texto, dentre eles, a ideia de discurso segundo Foucault. Este, afirma que o
discurso não é algo externo ao objeto ao qual se refere, mas entende o ato
enunciativo como formador daquilo a que se refere. Compreendendo o discurso
como um processo de construção de sentido e observando a “febre do Orkut”, a
autora tenta compreender os motivos que levam os alunos a criarem comunidades como
“Mate aula antes que ela te mate!”.
Por se
tratar de um texto de 2007, a autora trata as redes sociais digitais –
especificamente o Orkut – enquanto um campo ainda novo, que merece
considerações acerca de suas características fundamentais, como o fato da
produção dentro destes ambientes ser voltada ao compartilhamento e à
publicização. Neste sentido, as autoras apontam à necessidade de questionar a
“veracidade” das informações criadas e partilhadas nestes ambientes, uma vez
que os usuários não são obrigados a “serem eles mesmos” nestes ambientes. Não a
toa, elas apontam para a criação de perfis falsos como uma prática comum a
usuários racistas e “bisbilhoteiros”.
A partir
desta breve apresentação, Bergmann parte às considerações gerais sobre a
pesquisa.
Tópico 2 – Considerações gerais sobre a pesquisa: A autora
faz um apanhado geral das perspectivas teóricas que irá adotar no presente
trabalho como forma de apresentar-se ao leitor – a sua formação, a justificação
do campo teórico adotado etc. Inicialmente, frisa que irá observar a relação da
escola com as “novas” tecnologias, principalmente no tocante a utilização pelos
alunos no sentido de promover críticas a seus professores e à escola em que
estão inseridos. Baseando-se na ideia de discurso segundo Foucault, os
comentários presentes nestas comunidades participam ativamente na construção
das narrativas sobre professores e escola. A intenção da pesquisadora é
“mapear” os motivos destes comentários, compreender as dinâmicas intencionais
envolvidas no ato de fazer um comentário violento acerca do próprio professor.
À luz dos
“estudos culturais”, Bergman toma a “pedagogia como fenômeno cultural
abrangente e complexo, a qual se concretiza tanto no âmbito das instituições e
instâncias estritamente educativas quanto em outros territórios e artefatos do
mundo contemporâneo” (p. 62). Neste sentido, a pesquisa visa contribuir para o
campo da educação e das tecnologias digitais.
Tópico 3 – Cultura, mídia e novas tecnologias: “Inúmeras
são as mudanças no plano educacional provocadas pelas mídias e pelas novas
tecnologias” (p. 63). A difusão das tecnologias digitais modificou a tal ponto
a estrutura de escola que o papel do professor em sala também foi alterado.
Antes este era visto como o detentor do conhecimento, dotado de poderes
repressores totais e através de quem o “saber” era transmitido; o professor
contemporâneo, por outro lado, ocupa um espaço de mediador do conhecimento, seu
papel em sala é mais um orientador que uma autoridade máxima, portadora do
saber, uma vez que os alunos têm, com a internet, inúmeros canais de acesso a
informação.
Neste
sentido, a autora já aponta para uma série de problemas entre os professores e
as tecnologias digitais. Verificando uma relutância por parte destes em
utilizar as novas tecnologias em benefício da própria didática, estes observam
os computadores (e demais dispositivos eletrônicos) como “concorrentes”. A
escola convencional parece não acompanhar a velocidade dos avanços
tecnológicos. Com base nestas afirmativas, a autora ressalta a necessidade das
instituições considerarem as tecnologias para elaborar, desenvolver e avaliar
práticas pedagógicas. Enquanto esta reflexão não é feita, as práticas
“subversivas” se disseminam pelos alunos, como é o caso das comunidades do
Orkut que ofendem os professores.
Tópico 4 – Orkut/comunidades/scraps – retratos e recortes da vida escolar: Bergmann
inicia este tópico aproximando-se da ideia de comunidade segundo Bauman. De acordo com o autor, há uma relação
direta entre comunidade e segurança, situando o outside como um local perigoso e ameaçador. Pertencer a determinada
comunidade, constituindo assim um grupo identitário, produz a sensação de estar
seguro nos indivíduos. Considerando as particularidades do meio enquanto um
ambiente de interação alterdirigido, a autora cita Silveira (2006) quando esta
afirma que o fato de pertencermos a determinada comunidade não implica na
necessidade de participar das conversações na mesma. “A questão central é o que
ela diz sobre nós aos outros que visitam nossa página” (p. 66).
Em
seguida, a autora parte à descrição do método adotado na pesquisa: selecionando
comunidades relacionadas ao tema de interesse mediante a quantidade de usuários
(preferência às comunidades de maior número de usuários), tópicos de discussão
com no mínimo dez participações foram escolhidos. Entre as comunidades
trabalhadas “Eu odeio professor frustrado” e “Odeio professora mal-comida”,
ilustram o nível pejorativo encontrado em tais ambientes.
O Orkut é
abordado como um dos principais espaços utilizados pelos alunos para poder objetivar
aquilo que verdadeiramente pensam sobre seus professores, sem o risco direto de
serem reprimidos por estas atitudes. Estas práticas são ofensivas e
desrespeitosas, e, ao longo do texto, a autora cita diversos exemplos que
ilustram tais comportamentos. Os alunos, segundo Bergmann, sentem-se
“ameaçados” (no sentido de Bauman, na p. 68) pelo poder exercido pelos
professores e reagem demonstrando uma “sensação de resistência e poder”. No
caso, a criação de uma comunidade deste tipo é um exemplo da manifestação desta
sensação.
A autora
cita um caso de “invasões” de professores em comunidades ofensivas e os
reflexos causados na dinâmica daqueles grupos. O primeiro caso é de uma
professora que, de certa forma, concorda com as críticas dos alunos e propõe um
abrandamento daquelas reações pejorativas. Em outra ocasião, é evidenciada a
reação violenta de um professor contra os estudantes, com xingamentos e
palavrões.
Os danos
causados pelas agressões dos alunos e professores requerem aproximações
futuras, sobretudo no que diz respeito às implicações jurídicas. Questionar
sobre como as autoridades irão lidar com o que acontece no Orkut é uma
necessidade apontada por Bergmann. Além disso, a reflexão acerca das maneiras de
utilização desta tecnologia pelos professores é apontada como urgente
(considerando que o texto data de 2007). É “de suma importância que os
educadores reflitam [...] sobre como operar com esses materiais que estão
circulando nesse tipo de mídia (o Orkut), que representa, por assim dizer, a
linguagem das novas gerações” (p. 71).
Tópico 5 – Algumas ilações: O tópico
conclusivo aponta para a necessidade de repensar as práticas pedagógicas no
contexto das tecnologias digitais, principalmente no tocante à utilização do
Orkut. Tentar compreender os motivos que levam os estudantes a se comportarem
de maneira violenta e ofensiva nestes ambientes é, em si, um esforço para
repensar a postura do professor em sala, posicionando-se mais como um parceiro
na busca por conhecimento que um ser dotado do saber.
As
tecnologias não podem ser vistas como um abismo entre professor e aluno. Neste
sentido, a autora discorre sobre uma experiência em sala de aula em que o
diálogo com alunos permeou os assuntos relacionados ao Orkut e o que
observou-se foi uma maior aceitação das ideias da professora. Por fim, Bergmann
convida os professores a repensar o fazer pedagógico.
PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS - POSCOM - UFBA
DISCIPLINA:
COM544 – TEMAS EM CIBERCULTURA
PROF.
JOSÉ CARLOS RIBEIRO E MALU FONTES
FICHAMENTO – A
escrita no Orkut: vocabulário mais utilizado e aproveitamento do internetês para o ensino da língua
portuguesa.
BISOGNIN, Tadeu R.; FINATTO, Maria José B. A
escrita no Orkut: vocabulário mais utilizado e aproveitamento do internetês para o ensino da língua
portuguesa. In COUTO, E. S.; ROCHA, T. B. A vida no Orkut: narrativas e
aprendizagens nas redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2010 (p.79 - 100).
POR FELIPPE THOMAZ E LORENA SILVA
Sobre os autores:
Tadeu Bisognin é mestre Letras pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde sua pesquisa se voltou à
compreensão da utilização “internetês” pelos jovens no Orkut, sob a orientação
de Maria José Bocorny Finatto.
Maria José Finatto é doutora em Letras pela
UFRGS e professora do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas pela mesma
instituição, seu pós-doutorado foi junto ao Núcleo Interinstitucional de
Linguística Computacional no ICMC-USP. Sua pesquisa volta-se à Linguística Aplicada,
com ênfase em estudos sobre padrões do léxico em textos escritos.
Objetivos do capítulo: O
presente capítulo apresenta dados levantados a partir do Banco de Português e
do Orkut para identificar as características do “internetês” e a partir daí
fornecer contribuições à metodologia de ensino da Língua Portuguesa para
jovens.
Argumentação
Central: Os autores reconhecem o internetês enquanto
expressão linguística dotada de características próprias que, por sua vez,
derivam de apropriações da oralidade e alterações da língua escrita. Neste
sentido, pretendem oferecer recursos à investigação deste “dialeto”, tanto do
ponto de vista teórico quanto prático, ao elencarem uma série de possíveis
atividades a serem realizadas em salas de aula pelos professores.
Tópico 1 - Introdução: Intrigados
pelas críticas feitas ao internetês,
ou seja, à maneira peculiar de escrita presente na internet, os autores
realizaram um levantamento estatístico que visa responder à complexa pergunta:
como deve reagir a Escola brasileira diante desta nova maneira de escrever,
cada vez mais vivenciada pelos estudantes?
Apresentando
brevemente os tópicos subsequentes, é feita a descrição da pesquisa e dos
métodos adotados no presente estudo. Foi realizada uma pesquisa linguística
sobre o vocabulário empregado por jovens de 15 a 23 anos em depoimentos e
recados no Orkut. Para tanto, utilizou-se a Linguística de Corpus como método
investigativo no intuito de explorar padrões de uso da língua em grandes
conjuntos de textos. Discorrendo brevemente sobre a abordagem metodológica, no
Orkut 553875 palavras foram compiladas para posterior observação. A metodologia
da Linguística de Corpus requer a comparação com diferentes usos da escrita e,
neste sentido, mais dois conjuntos de dados foram utilizados: o Banco de
Português (1289949 palavras) e um terceiro conjunto, composto de redações
escolares, textos jornalísticos e textos de livros didáticos (571090 palavras).
Por palavra, no artigo, entende-se qualquer conjunto de caracteres entre dois
espaços em branco. Assim, tanto “rsrsrs” quanto “trabalho” é compreendido
enquanto palavra. Além disso, há a possibilidade de agrupamentos de palavras
isoladas em grupos. Tecnicamente, as palavras “soltas” são chamadas tokens (itens) e os conjuntos de
palavras relacionadas são chamados types (tipos).
Estas duas unidades de medida são importantes para a compreensão da pesquisa
feita pelos autores.
Tópico 2 – Registro e análise dos dados
identificados: Como uma variação da língua portuguesa culta, o
internetês utiliza-se de abreviaturas, siglas, neologismos e símbolos em sua
composição. Compreender estes “códigos” não é tarefa fácil para aqueles que não
estão acostumados à utilização da internet.
Bisognin
e Finatto apresentam 17 exemplos de modificações em relação à grafia oficial
que constituem o corpus de investigação. Dentre eles, a reprodução da fala
(axo, poko); substituição do acento agudo por h (eh, peh, feh); palavras sem
vogais, composta somente de consoantes (gnt, td, dps, flw); onomatopeias para
riso e choro (hehe, haha, tsc tsc); uso de emoticons (:), >/, \o/), entre
outras utilizações comuns.
A partir
daí, é possível pensar o internetês como uma “recriação gráfica das línguas
escrita e falada preexistentes, enriquecida com representações e simbologias”
(p. 85). Desta maneira, todos estes códigos devem ser compreendidos enquanto
suportes de representação das emoções humanas e não de maneira isolada de seu
contexto original. A leitura que é feita quando nos deparamos com um “vc” ou
“tb” não é a união de letras tão somente (vecê, tebê), mas fazem alusão às
palavras que representam.
Citando o
trabalho de Bagno, os autores apontam para o fato de que no Brasil, no tocante
à escrita, “as pessoas tendem a confundir o todo do português com a sua
ortografia oficial”. Isto explica um pouco as críticas feitas ao internetês.
Apesar de haver uma preocupação com as formas de escrita provenientes da
internet, numericamente estas expressões não somam sequer a metade das
utilizadas nos ambientes digitais. Conforme os dados apresentados, cerca de 80%
das palavras escritas no Orkut possuem grafia correta, relegando em torno de
20% para a utilização do internetês. No entanto, a lógica deste “dialeto” fica
evidente quando os autores demonstram que a maior parte das palavras escritas
no Orkut possuem duas ou três letras.
A
pesquisa contempla a utilização em várias regiões do Brasil, gerando a
necessidade de criação de nove subcorpora
regionais, para identificar a influência que a localização exerce sobre os
indivíduos conectados.
Tópico 3 – Traços de oralização sobre a escrita no
Orkut: No presente tópico, os autores voltam a atenção ao levantamento das
palavras mais utilizadas nestes ambientes. De acordo com a metodologia
apresentada anteriormente, em que foi feito um cruzamento entre a língua
falada, escrita e o internetês tornou-se possível perceber uma relação direta
entre a fala e a linguagem aplicada no Orkut. “De” é a palavra mais utilizada
na escrita, mas ocupa o sexto e o quinto lugar, na fala e na escrita
respectivamente. Por outro lado, as palavras da fala e do Orkut ocupam lugar
semelhante, sendo possível dizer que são as mesmas, caso não fossem escritas de
formas diferentes. “Que” é o item lexical mais empregado nestes dois ambientes
citados.
De acordo
com os dados apresentados, os autores apontam ainda para cinco especificidades
e exemplos da oralização do internetês:
-
Presença de marcadores conversacionais: “Nossa...” “Putz...”
-
Presença de muitos períodos curtos e simples: “veja bem... na minha vida
agora... é só trabalho... estudo... correria...”
- Emprego
de léxico coloquial: “O que anda aprontando?????”
- Uso de
frases truncadas: “a festa foi massa... foi eu e a pri... o povo lá da bio foi
também... e um povo migo do povo...”
- Pouca
densidade informacional: “e tu quer que eu fale o que?! Oo”
Os
autores apresentam mais exemplos que evidenciam a ligação entre a língua falada
e o internetês, sob a influência também da linguagem escrita. É possível
conceber este modelo enquanto um código escrito oralizado. “Na escrita oralizada
que examinamos, a frase tende também a diminuir, constituindo-se muitas vezes
de apenas uma, ou duas palavras.” (p. 91)
Tópico 4 – Aspectos da língua em constante
fazimento:
Sintetizando
seus objetivos e métodos, os autores iniciam o presente tópico ressaltando a
necessidade de observar o uso da língua na internet (constantemente alvo de
críticas) através de descrições sistematizadas e criteriosas.
Em linhas
gerais, o que deve ser levado em conta é a adequabilidade da língua à
circunstância onde está inserida. Neste sentido, o internetês não é visto como
forma “errada” de expressão, mas como uma adaptação do português às
peculiaridades da internet. O problema existe quando a fronteira que limita o
uso desta forma de expressão é transposta e o internetês é confundido com a
linguagem escrita formal. O papel da Escola é reforçado, no sentido de deixar
claro que tudo depende de quem diz o que, a quem, como quando, onde, por que e
visando um efeito (p. 91).
Contrapondo
o senso comum, que critica o uso do internetês baseados em conclusões próprias
e superficiais, os autores reforçam a necessidade de uma abordagem preocupada
em compreender o que é língua, palavra, léxico, norma, variante, dialeto ou
escrita. Feito isso, naturalmente à luz do campo teórico da linguística, será
identificada uma característica essencial a qualquer língua “viva”: sua
mutabilidade e adaptação. O influxo de novos termos deixa a vida viva e ela se
encontra em “constante fazimento” ao longo do tempo. Por fim, o internetês é visto como “um dialeto social, o qual, segundo Dubois, é “um sistema de signos usados por um grupo social em referência a esse grupo” (p. 92).
Tópico 5 – Aproveitamento do internetês na escola: Este
tópico possui interessantes desdobramentos para a adequação da escola às formas
de linguagem presentes na internet. Com o objetivo de levar os professores a
considerar o internetês como algo positivo, algumas recomendações de atividades
a serem aplicadas em sala de aula são apresentadas pelos autores. As atividades
são brevemente descritas abaixo:
- A
proposta de uma discussão sobre a semelhança e diferença entre fala e escrita e
os problemas de compreensão da linguagem encontrados no Orkut parece despertar
às possibilidades de utilização e adaptação da língua portuguesa. Além disso,
os autores sugerem a reescritura de recados e depoimentos do Orkut em
“português formal”.
- De
maneira semelhante à ideia anterior, a proposta de reescrever para a linguagem
culta o que o aluno acha que o autor das frases abaixo quis dizer quando
escreveu, por exemplo, “qlq coisa da um tok”, “fds mt show hein!?” ou ainda
“falae troxa blz maluco”.
- Devido
aos agrupamentos de “estilos” do internetês (como apresentados no tópico 3), os
alunos podem ser levados à identificar traços comuns e criar uma regra para
cada grupo.
-
Sugere-se a elaboração de um texto autocrítico relacionado à exposição de dados
pessoais no Orkut baseado na leitura do texto Problemas de segurança e privacidade no Orkut da ONG SaferNet.
Tópico 6 – Algumas considerações a partir das
atividades propostas: De acordo com os dados e propostas apresentados ao
longo do texto, alguns encaminhamentos para a utilização do internetês pelos
alunos se mostram necessários a um maior diálogo professor-aluno. Compreender a
linguagem peculiar da internet enquanto uma “variante diletal de escrita
oralizada” é reconhecer os alunos enquanto poliglotas dentro da própria língua.
Obviamente que tais intentos não se confundem com a substituição do português
formal, da escrita culta. O objetivo é não rechaçar uma forma de expressão já
inserida no contexto dos jovens e que parece não retroceder, devido a forma de
comunicação apressada, comum à internet.
Tópico 7 – Conclusões: Compreender
o internetês enquanto uma forma de linguagem própria, resultante da inserção de
elementos da oralidade e da alteração das regras ortográficas é necessária à
adoção de medidas que compreendam estas adaptações linguísticas em uma
perspectiva otimista.
O
internetês do Orkut, especificamente, é uma variação dialetal escrita dotada de
características próprias. Neste sentido, compreende-se a linguagem enquanto um
processo em constante fazimento,
sofrendo alterações e modelagens ao longo do tempo.
Investigar os métodos de utilização deste
dialeto é também considerar a possibilidade da língua incorporar tais elementos
em sua estrutura, em um movimento bilateral de influência.
FICHAMENTO 2 – A VIDA NO ORKUT:
NARRATIVAS E APRENDIZAGENS NAS REDES SOCIAIS
SOBRE OS AUTORES:
Vivência do Orkut nos espaços
públicos: Tabuleiro Digital
SAMPAIO,
Joseilda de Souza - Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação pela Universidade Federal da Bahia (2011). Membro do Grupo de Pesquisa
Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC/UFBA).
BONILLA,
Maria Helena Silveira - Professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da
UFBA, Doutorado em Educação pela UFBA – 2002.
A relação de fascínio pelo Orkut:
retrato da hipermodernidade líquida, espetacular e
narcísica
MEDEIROS,
Rosangela de Araujo – mestra em educação e tecnologia digital pela Universidade
de São Paulo.
O Orkut e a velhice: comunidades e
discursos
BRANDÃO,
Maria de Fátima Morais - Mestrado em Educação pela Universidade Luterana do
Brasil.
SILVEIRA,
Rosa Maria Hessel - Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFRGS, 1995.
Corpos ‘gordos’ no Orkut: escritas
sobre si e os outros
GARBIN,
Elisabete Maria - Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul na Linha dos Estudos
Culturais.
CAMOZZATO, Viviane Castro - Licenciada em
Pedagogia, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS).
OBJETIVO
O
artigo “Vivência do Orkut nos espaços públicos: Tabuleiro Digital” discute como
Orkut é visto pelos profissionais de educação, quando utilizado em espaços
públicos e com liberdade para acessar qualquer site, por meio do projeto
Tabuleiro Digital realizado na
FACED/UFBA. No artigo intitulado “A relação de fascínio pelo Orkut:
retrato da hipermodernidade líquida, espetacular e narcísica” o objetivo é
entender o que levaria os adolescentes terem um certo do fascínio pelo site
Orkut. Os dois últimos artigos, utilizados para o seminário, “O Orkut e a
velhice: comunidades e discursos” e “Corpos ‘gordos’ no Orkut: escritas sobre
si e os outros” discutem como os usuários do Orkut se manifestam em comunidades
criadas para discussões relativas a velhice e a autoimagem.
ARGUMENTAÇÃO CENTRAL
Os
artigos trazem para discussão a questão do acesso à informação, o fascínio pelo
Orkut e a questão sobre a imagem de si e do outro nas redes sociais.
O
acesso à informação deve ser democrático e livre. O Orkut é uma meio onde se
pode, também, adquirir conhecimento, informação e, além do mais, proporciona
interação entre as pessoas, que dessa forma, trocam informações e geram
conhecimento. Os educadores e a sociedade devem entender as redes sociais como
algo que faz parte da contemporaneidade, e assim sendo, parte da vida dos jovens
de hoje. Os educadores devem fazer do Orkut e, sobretudo, das redes sociais,
instrumento do processo de aprendizagem nas instituições de ensino. O Orkut
como um ambiente aberto a discussões, a interação, a criação de grupos,
ambiente que permite a exibição da imagem, assim como a criação de outra
imagem, atraem jovens e adultos que as autoras classificam como frutos da
hipermodernidade líquida, espetacular e narcísica onde o estar, o ter e o
‘a-parecer’ são características marcantes. Neste ambiente aberto e “livre”
surgem grupos diversos que discutem temáticas muitas vezes preconceituosas, de
incentivo a violência e de formação de um conceito de beleza perigoso. Dessa
forma, o Orkut se caracteriza como um ambiente onde podemos encontrar tanto
internautas que se agrupam em comunidades para discutir temas benéficos a
sociedade ou não.
TÓPICO 1 - O USO DO ORKUT EM AMBIENTE PÚBLICO
No
Brasil o indicie de usuário de internet ainda é baixo. O Tabuleiro Digital, Projeto
desenvolvido na FACED/UFBA – Faculdade de Educação da Universidade Federal da
Bahia, segundo as autoras, procura atender uma parcela da população que não tem
acesso as tecnologias da informação e comunicação. Com a implantação do
projeto, que permite aos alunos da FACED/UFBA e da comunidade, utilizar
computadores distribuídos pelos pátios da instituição, os possibilitando
acessar os sites que lhes forem mais convenientes como as redes sociais, chats,
jogos etc. As coordenadoras do Projeto verificaram que os alunos da FACED/UFBA apresentaram
insatisfação ao vê alguns usuários acessando sites de “entretenimento” quando estes
desejavam usar o computador para trabalhos acadêmicos e-mails e outros serviços
que julgavam mais importantes. As autoras pontuam que devemos entender que
estamos em um momento onde as redes sociais devem ser usadas como parceiras no
processo de aprendizagem, que se deve utiliza-las para motivar os alunos e que tanto
atuais quanto futuros profissionais da educação devem vê-las como instrumento
de trabalho e como parte da vida cotidiana de todos nós.
TÓPICO 2 - FASCÍNIO PELO ORKUT
O
Orkut é um ambiente que fascina os usuários pelas possibilidades que lhes
garante. No Orkut o usuário pode ser alguém que não é, ou seja, tornar-se
alguém que gostaria de ser. Para os autores não é Orkut que transforma os
usuários, tanto um quanto outro é sujeitos e objeto da cultura atual.
Através
de uma pesquisa realizada em 2006 com adolescentes e pré-adolescentes do 2º
ciclo do ensino fundamental da periferia de São Paulo, as autoras concluíram
que o nosso tempo é retratado pelo: ESTAR – efemeridade das coisas, imediatismo
e consumismo; TER – ter mais amigos, significa ser mais popular, ser mais
“famoso”; e A- PARECER – construção de um cenário de acordo como o usuário
gostaria de aparecer, afinal “ o show é armado para ser visto”(p.154). O Orkut
proporciona todas estas coisas que fazem parte do momento em que vivemos.
TÓPICO 3 – VELHICE E AUTOIMAGEM NO
ORKUT
O
Orkut permite que os usuários criem comunidades com diversas temáticas, que suscitam
discussões em todas as esferas. Os velhos no Orkut são vistos como tarados,
fofoqueiros, incapazes de exercer funções como dirigir automóveis, usuários de
uma linguagem desprezível e invasores do espaço dos jovens – quando se tornam
também usuários do Orkut. Esta intolerância com os idosos é apresentada e
incentivada nas comunidades do Orkut onde, em contra partida, também se
encontram comunidades que valorizam a terceira idade, onde os membros expressam
o prazer em dialogar com os idosos e ouvir suas histórias.
A
autoimagem é outra discussão levantada dentro das comunidades do Orkut. Como é
o caso das meninas que apresentam fascínio pelo corpo magro e utilizam das
comunidades para incentivar umas a outras a se manterem sempre mais magras. Há
também as comunidades que expressão repúdio as pessoas acima do peso,
identificando estas como seres indignos de vida e que deveriam ter vergonha de
si mesmo.
CONCLUSÃO
O
Orkut (assim como as redes sociais que viriam após ele) é uma realidade na vida
cotidiana de todos nós, usuários dele ou não. O que se deve fazer é aceitá-lo
como parte da sociedade contemporânea e deve ser utilizado como instrumento na
educação dos adolescentes, já que este faz parte de suas vidas e fechar os
olhos, para esta realidade, é querer marginalizar estes jovens do que há de
atualidade.
As redes sociais
podem ser utilizadas para diversas finalidades e são inúmeras as comunidades do
Orkut. Nelas teremos diversas discussões umas mais agradáveis para certo grupo
outras não. O Orkut, então, seria um espaço onde se produz e circulam
discursos, “onde circulam descrições e narrativas produtoras de representações
legitimadas como verdades, como senso comum, como discurso corrente e
dominante” (p. 186 e 187).