sexta-feira, 20 de julho de 2012

Fichamento - Redes sociais digitais e novas formas de narrativas

COUTO, Edvaldo Souza; ROCHA, Telma Brito. Identidades contemporâneas a experimentação de “eus” no Orkut. In COUTO, E. S.; ROCHA, T. B. A vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2010

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FICHAMENTO – Identidades contemporâneas: a experimentação de “eus” no Orkut.


Por Felippe Thomaz e Lorena Silva


Sobre os autores:
Edvaldo Souza Couto é PhD em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Sua pesquisa se volta às questões de corpo e tecnologia, sexualidade e tecnologia, estética, filosofia da técnica, educação e tecnologia, entre outras subáreas. Em seu currículo, diversos livros foram organizados por ele, entre os quais encontra-se “A vida no Orkut”. Atualmente é professor da Faculdade de Educação da UFBA.
Telma Brito Rocha é pedagoga, mestre e doutora pela Faculdade de Comunicação – UFBA. Atualmente é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. Sua pesquisa compreende o uso da internet segura, educação on-line e inclusão de alunos com deficiência em instituições de ensino por meio de tecnologias assistivas.
Objetivos do capítulo: O estudo observa as diversificadas experimentações de “eus” provenientes da manipulação de diversos recursos oferecidos pelo Orkut. Os autores atentam, especificamente, para a possibilidade de criação de perfis fakes e quais são as variáveis utilizadas para que esta personalidade seja construída e sustentada.
Argumentação Central: Discute o processo de formação identitária na Internet, sobretudo nas redes sociais digitais, à luz de autores como Baumann, Hall e Turkle. Utilizando o site de relacionamento Orkut como objeto, os autores procuram compreender como se configuram as identidades on-line dos usuários destes sites, problematizando, inclusive, se tal distinção entre persona on-line e off-line é válida. A partir do resgate de contribuições teóricas anteriores no contexto da “modernidade” (a partir da revolução industrial), a identidade contemporânea é observada como líquida e fugaz, possuindo, atualmente, inúmeras ferramentas através das quais se apresenta aos demais usuários destas redes – incluindo a possibilidade de criação de “falsas identidades” ou perfis fakes. Neste sentido, discorrem sobre os efeitos que tais (re)configurações causam sobre a subjetividade humana.
Tópico 1 - Introdução: O estudo inicia sua argumentação apresentando conceitos relacionados às noções de identidade nas épocas pré-moderna e moderna. No primeiro caso, a partir de Giddens, os autores afirmam que tal noção era parcamente concebida. Ou melhor, a individualidade era suprimida por um todo social e, desta maneira, a noção de indivíduo – dotado de um caráter único – era pormenorizada. Com o sistema capitalista e a organização social em grandes centros urbanos, o indivíduo uno, centrado, ganha atenção. A contribuição de Descarte ilustra este processo: “penso, logo existo” define um sujeito dotado de uma “essência pessoal” e partícipe de uma universalidade humana. Os ideais iluministas sustentam tal concepção, situando o indivíduo enquanto ser centrado, unificado, completo de capacidades de razão, de consciência e de ação.
Já no século XX, as contribuições feitas por Freud, na psicanálise, propuseram outras perspectivas para pensar a constituição de um indivíduo. A partir de seu estudo sobre o inconsciente e a estrutura da psique humana, a ideia de um sujeito unificado foi abalada. Esta formulação abarca a ideia de um sujeito desconhecido para si próprio, dotado de inúmeras estruturas psíquicas que, não necessariamente, este tem acesso direto. O ser de Freud é um somatório de fragmentos. Neste sentido, o estudo de Freud reverberou em trabalhos futuros sobre a identidade. Lacan, por exemplo, afirma que o sujeito é formado a partir do olhar do outro e que o indivíduo só conhece a si próprio mediante a relação com outrem. Aquilo que “é” não é mais um produto acabado, dotado de uma “essência”, mas se constitui ao longo do tempo, em um processo mútuo de dependência com o outro. Hall propõe, portanto, a substituição de nomenclaturas para melhor compreender este processo. Segundo ele, “identidade” alude a uma “coisa acabada”, sendo assim, o termo mais correto seria “identificação”, pois alude a um processo em andamento.
A partir da ideia de “modernidade tardia”, resultante da globalização, os autores visam discutir as diversas possibilidades no processo de criação do “eu” em ambientes digitais. As identidades (no plural) passam por um processo de fragmentação e deslocamento, suscitando questionamentos acerca das práticas sociais presentes nestes locais de interação. A discussão segue no tópico seguinte, “Identidades contemporâneas”, onde são discutidas algumas questões concernentes a esta temática.

Tópico 2 – Identidades contemporâneas: No presente tópico, os autores apontam para o trabalho de Foucault com relação ao poder disciplinar presente em determinadas instituições da sociedade. Segundo ele, o indivíduo estaria sempre sujeito às influências de tais estruturas e, por conseguinte, sua subjetividade estaria enraizada nos limites e nas determinações destas instituições. “Quanto mais coletiva e organizada for a natureza das instituições na modernidade tardia, maior o isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito” (p. 17). Ou seja, o produto humano derivado das estruturas da modernidade tardia é um indivíduo atomizado, com pouco poder de influência sobre o meio em que vive. Estas relações de poder (patrão sobre empregado, por exemplo) evidenciam uma dimensão mais política e cultural sobre a formação identitária.
Neste sentido, os reflexos da globalização sobre os meios de comunicação e as novas características de espaço e tempo arraigadas a ela, permitiram formas de interação inéditas até então. Com as distâncias comprimidas e a possibilidade de estar conectado, em “tempo real” com pessoas geograficamente afastadas, os indivíduos têm à disposição inúmeras plataformas de interação pelas quais se apresenta aos demais mediante suas próprias escolhas. Ou seja, preenchendo um formulário com características pessoais, o sujeito é - se faz - conhecido por aquilo que alega ser, em um espaço onde a presença física é substituída por dígitos e imagens. A possibilidade de edição desta apresentação, através do cuidado na captura, edição e seleção das imagens que irão compor o profile, assim como as informações sobre suas preferências e características, ilustram aquilo que teóricos mais pessimistas chamam de “crise da identidade”. Gioielli afirma que as identidades “[...] estariam rumando para um estado de homogeneidade, operado através da indústria cultural”. Tal critica se fundamenta, como apontam Couto e Rocha, na ideia de que o processo de transformação cultural pauta-se na mudança enquanto um processo de desvirtuamento, de mercantilização das formas culturais autênticas, fazendo emergir uma cultura padronizada, industrializada e artificial. O consumo seria, pois, a peça-chave deste processo em que a autoidentificação com objetos do mercado constituem aquilo que se é.
Em contrapartida à ideia de homogeneização global, os “nichos” apresentam um novo viés para se pensar o local. As identidades culturais são relativizadas pela crescente compressão tempo-espaço. Se reconfiguram em torno da influência do global, assim como utilizam elementos do local em sua constituição. Unindo tais ideias ao objeto selecionado, o próximo tópico apresenta uma aproximação que permitirá discutir as identidades múltiplas no contexto das redes sociais digitais.
Tópico 3 – O Orkut e as identidades múltiplas, nômades, ou mais ou menos inventadas:
Ao início do tópico, alguns dados relacionados à rede social em questão são apresentados como forma de evidenciar a relevância de tal objeto de estudo. O que é interessante pontuar aqui, no entanto, é que o Orkut é a rede social com maior participação de brasileiros (35 milhões, em 2009). Para “entrar” no Orkut, o usuário cadastra-se e, ao fazer o primeiro login, tem a opção de preencher ou ocultar informações como “quem sou eu” e “interesses”, por exemplo. Há um espaço para descrição física e emocional, estado civil, entre outras lacunas a serem preenchidas que fornecerão pistas aos interagentes. Estas informações são imprescindíveis para as interações que ocorrerão posteriormente, pois aludem a uma identidade naquele ambiente.
Uma vez que o controle sobre o que será evidenciado é do indivíduo que se apresenta, há a possibilidade de informar características fictícias, acentuando ou atenuando aspectos que deseja. Cabe abordar, neste momento, o destaque dado pelos autores aos fakes. Os perfis falsos são utilizados, em alguns casos, para facilitar comportamentos inadequados, escamotear práticas criminosas, violar direitos humanos e aliciar crianças e adolescentes. Obviamente, os fakes são utilizados para outros fins, como a sátira com personas públicas, a possibilidade de bisbilhotar sem ser identificado, entre outras práticas. Os recursos de autenticação dos perfis fake são inúmeros. Dentre eles, adicionar amigos “verdadeiros” em seu círculo de relações gera a sensação de legitimidade. A ideia básica é: se a pessoa que não conheço, é amigo de um amigo, sou mais propenso a inserí-lo em meu círculo de relações.
Uma pessoa pode experimentar ser outra (ou várias outras) com características físicas completamente diferentes. Pode explorar sentimentos enclausurados “no mundo real”, assim como fugir deles. Sherry Turkle direciona seu trabalho neste sentido, abordando o “eu” enquanto constituição descentrada, dotada de inúmeras facetas e desempenhando diversos papéis simultaneamente. Na rede, as identidades são constantemente manipuladas, tomando formas diversas. “Um outro ‘eu’ em cada janela do computador”. As identidades contemporâneas são, desta maneira, engendradas por um conjunto de acontecimentos que são vividos on e off-line, numa profunda organicidade líquida (como afirma Bauman).
É interessante a abordagem feita por Couto e Rocha acerca dos profiles. Segundo eles, estes perfis são uma antevisão que irá intervir nas escolhas, comportamentos e ações presentes. Não a toa o termo profile (pro – file) alude à ideia de um pré-registro, uma preodenação. A citação do trecho (p. 27) de um texto de Fernanda Bruno (2006) é cabível para a compreensão das “simulações de identidade” enquanto constituições móveis, latentes. “No Orkut, além de camaleônicas, elas também são publicitárias, um brilho efêmero para um sujeito que vive da pulverização encantada e pavoneada de si mesmo.” (p. 28)
Tópico 4 – Conclusões:  Os autores concluem a argumentação afirmando que os fakes nem sempre são utilizados para a violação de direitos humanos ou outras práticas negativas. Os indivíduos experimentam novas identidades para demonstrar sentimentos e pensamentos muitas vezes enclausurados no “mundo real”, o que, no ambiente simulado, torna-se mais acessível, sobretudo pela menor incidência da direta reprovação dos demais indivíduos. Estes meios são observados pelos autores como um repositório de identidades mais íntimo e verdadeiro. A noção de uma identidade “verdadeira” ou “falsa”, inclusive é problematizada, uma vez que a constituição de uma identidade contemporânea permeia a hibridização entre quem se é on e off-line. “A separação entre mente e corpo, homem e natureza, identidades verdadeiras e falsas, a vida on-line e a off-line, não mais se sustenta. Não existe separatividade, tudo agora está relacionado, conectado, em renovação e dispersão contínuas.” (p. 30)




PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS - POSCOM - UFBA
DISCIPLINA: COM544 – TEMAS EM CIBERCULTURA
PROF. JOSÉ CARLOS RIBEIRO E MALU FONTES

FICHAMENTO – Imagens de família na internet: fotografias íntimas na grande vitrine virtual.
DIOGO, Lígia Azevedo; SIBILIA, Paula. Imagens de família na internet: fotografias íntimas na grande vitrine virtual. In COUTO, E. S.; ROCHA, T. B. A vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2010 (p.33 - 55).
POR FELIPPE THOMAZ E LORENA SILVA
Sobre os autores:
Lígia Azevedo Diogo é doutoranda em cinema pela UFF, sob a orientação de Paula Sibilia. O interesse de sua pesquisa está nas questões relacionadas ao upload de vídeos no YouTube como elementos de interação entre os usuários. Participa do grupo de pesquisa Imagem, Corpo e Subjetividade, da mesma instituição.
Paula Sibilia é doutora em Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Saúde Coletiva também pela UFRJ. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisa os temas de subjetividade contemporânea, corpo humano, tecnologias digitais, imagens e práticas corporais. Publicou os livros “O homem pós-orgânico: corpo, subjetividade e tecnologias digitais” (2002) e “O show do eu: a intimidade como espetáculo” (2008).

Objetivos do capítulo: Faz um comparativo entre o álbum de família anterior à era digital – material e palpável – e as pastas virtuais de armazenamento de imagens digitais, no caso específico do “álbuns” do Orkut. Nesta perspectiva, discute temas relacionados à fotografia e memória e à constituição e manutenção de identidade através da internet.
Argumentação Central: As autoras abordam a relação do observador com a fotografia a partir do trabalho de Roland Barthes em “A câmara clara”, fazendo um contraponto com as particularidades da produção, armazenamento e observação de fotografias de família a partir da internet. Neste sentido, elencam e discutem particularidades dos dois suportes – físico e virtual -, para compreender as semelhanças e divergências entre ambos.
Tópico 1 - Introdução: Inicialmente o trabalho parte de uma releitura d’A Câmara Clara, de Roland Barthes, quando este propõe uma investigação sobre a fotografia para compreender o que há de “essencial” neste forma de expressão. Especificamente, o que é examinado são as fotografias digitais e a organização destas em “álbuns” virtuais no Orkut. A web 2.0 tornou possível a emergência de novas formas de relacionamento interpessoal através das imagens. Enquanto algumas destas práticas são meramente “roupagens digitais” de práticas sociais anteriores, outras se constituem de fato enquanto novas maneiras de relação humana.
Neste sentido, as particularidades do meio eletrônico fornecem um interessante desdobramento a ser investigado. Diogo e Sibilia procuram responder a uma questão base, neste trabalho: os álbuns de fotografia de família disponíveis em redes sociais digitais (especificamente o Orkut) são apenas versões mais atuais daquelas que eram guardadas em nossas casas? Para elucidar tal questão, as autoras fazem uma abordagem comparativa entre álbuns de família no Orkut e os modelos antigos, distinguindo-os em suas particularidades constituintes. O objetivo orbita na tentativa de compreender estes modelos tecnologicamente reciclados como manifestações de um processo de transformação mais amplo e incitante.
Tópico 2 – Fotografias no Orkut: técnicas para se fazer conhecer: No intuito primeiro de compreender as divergências entre práticas fotográficas em redes sociais digitais e em fotografias “materiais” (imagem revelada sobre um papel, armazenada em álbuns físicos), faz-se necessário observar, de antemão, a forma de utilização da fotografia pelos internautas cadastrados no Orkut.
É notório que uma das principais finalidades das redes sociais é oferecer aos usuários a possibilidade de se conectar com pessoas já conhecidas e conhecer novas pessoas. Para quê conhecer pessoas? As autoras, baseadas em dados apresentados no texto, apontam para duas principais intencionalidades: amizade e namoro.
Considerando tais objetivos na utilização do Orkut, emerge uma questão relacionada aos modos pelos quais os indivíduos se conhecem neste ambiente. Como se fazer conhecer e ser conhecido? Como se expor em um perfil de rede social? Quais os mecanismos de confiança que imperam em tais meios? Primeiramente, um formulário precisa ser preenchido. As questões respondidas oferecerão pistas sobre quem se é e o que objetiva em tal ambiente. As respostas dadas no perfil serão de escolha do usuário, que tem a opção, inclusive, de não responder, caso não queira. Outros recursos como a pasta de recados, as comunidades que pertence, os links para vídeo e as relações que sustenta também auxiliarão no processo de formação da personalidade no site. Além disso, um atrativo utilizado pela maioria dos usuários nestes ambientes é a fotografia. Na página principal do perfil, por exemplo, a imagem constitui-se como um recurso bastante importante. Sua representação imagética aparecerá em todos os comentários que fizer nesta rede, sendo, seu detentor, facilmente identificado a partir dela. Há ainda a possibilidade de criação de “pastas” de fotografias. É possível organizar as imagens em temas e ter certo controle sobre que poderá ter acesso a elas. Fotos de viagens, de colegas de trabalho, da família são alguns dos temas comumente adotados pelos users.
Dado o fato de que o surgimento da fotografia permitiu uma relação inteiramente nova da imagem com o objeto representado, a contribuição de Barthes neste sentido se faz nítida. “Desde que a técnica fotográfica se popularizou, temos nos acostumado a lidar com a reprodução incontestável do que somos ou do que aparentamos ser. [...] Essa característica foi fundamental para que a fotografia se tornasse uma forma de reconhecimento pessoal das mais indiscutíveis para a sociedade humana” (p. 40-41). Sustentar tal afirmativa não corresponde, necessariamente, a dizer que mostramos o que somos a partir da semelhança encontrada na representação fotográfica. Há inúmeros truques de câmera que podem ser utilizados para “editar a aparência”, tais como enquadramento, condição de luz, angulação da câmera, postura do sujeito perante a lente etc. Além disso, softwares como o Photoshop oferecem um vasto leque de filtros pelos quais é possível pós-produzir a própria imagem. Portanto, aquilo que se aparenta ser, não necessariamente condiz com a pessoa “real”. Neste sentido, a fotografia de família parece ser o tipo de imagem de menor discrepância entre o que se é e o que se pretende ser.
Tópico 3 – Fotografia de família: um documento veraz: Neste tópico, as autoras começam afirmando que as fotografias de família parecem ser capazes de registrar as pessoas de maneira mais próxima do que o que elas realmente são. Em seguida, parte a um breve levantamento histórico sobre os álbuns de família. Tal resgate reflete na própria conjuntura social da segunda metade do século XIX, com a valorização do espaço privado e o posicionamento da família – sua constituição e manutenção – como pilar da moral do homem moderno, sendo sua subjetividade emoldurada por esta condição. A popularização da produção e difusão das fotografias contribuiu para as preocupações de Benjamin com relação ao declínio do “valor de culto” das imagens em geral. Por outro lado, autores como Barthes situaram os registros fotográficos – sobretudo as de ordem familiar – como detentores de uma “aura” própria. “A foto é literalmente uma emanação do referente” (p. 44). Logo, faz-se notória a relação com a memória, uma vez que “capturar” a própria família é manter viva um momento que não tornará a ser presenciado, mantendo a memória fixada sobre um papel fotográfico.
Devido a uma reconfiguração dos moldes familiares e a relação entre o público e o privado atualmente ser limitada por uma fronteira difusa e permeável, o conceito de multidão solitária (RIESMAN, 1950) emerge. Observa-se, neste sentido, “um deslocamento dos eixos em torno dos quais cada sujeito edifica o que é. Um deslizamento de dentro de si (introdirigido) para ‘fora’, ou melhor: para tudo aquilo que os outros podem enxergar (alterdirigido)” (p. 45).
Tópico 4 – Álbuns de família: refúgio ou vitrine?: A internet, como reflexo de um processo maior, tem causado mudanças significativas na maneira com que as pessoas produzem, consomem e valorizam imagens de família. Enquanto antes as imagens eram armazenadas em álbuns físicos, de papel, atualmente, com as imagens digitais, nota-se uma evidente redução da utilização destes suportes. As autoras partem à descrição de características comuns aos álbuns físicos para posteriormente contrapô-las às especificidades dos álbuns virtuais:
- Materialidade e perenidade: Por serem bens materiais palpáveis e permanecerem, durante a maior parte do tempo, guardadas, a conservação das imagens era garantida. As fotografias simplesmente não eram jogadas fora, mas retidas em um invólucro específico, em conjunto com outras imagens relacionadas.
- Público-alvo restrito e definido: O valor destes álbuns só era reconhecido pelos familiares envolvidos e por amigos mais íntimos. Para um estranho, ou alguém fora deste círculo, tais imagens poderiam ser triviais e inexpressivas.
- Guardar como o objetivo fundamental: A preservação da memória da família era o ponto principal destes álbuns, assim como manter “próximos” parentes distantes ou “vivos” os que já tivessem morrido.
- Refúgio e proteção: No âmbito familiar, em que a intimidade dos indivíduos está mais aberta, a “verdade” destes sujeitos vem à tona com maior facilidade. Os álbuns seriam espécies de refúgios para esta autenticidade, daí a necessidade de mantê-los protegidos de um ambiente externo ao familiar.
Os atributos dos álbuns presentes em redes como Orkut apresentam atributos diferentes, os quais são elencados e brevemente discutidos pelas autoras:
- Virtualidade e descartabilidade: O espaço ocupado pelas imagens digitais não é físico, mas medido em bits. Neste caso, o sentido de “espaço” se confunde com o de “memória”, visto que seu armazenamento se dá em discos rígidos. Assim sendo, tais imagens podem facilmente ser descartadas pelos donos dos perfis e tal prática, segundo Diogo e Sibilia, é comum entre os usuários destas redes.
- Público-alvo amplo e indefinido: Devido à própria constituição das redes sociais digitais, estas imagens, ao serem upadas, estão disponíveis ao acesso de milhões de pessoas. No caso do Orkut, 45 milhões de usuários poderão ver uma fotografia íntima de família, caso o dono do perfil não controle o acesso de indivíduos externos.
- Mostrar como o objetivo fundamental: Um dos principais objetivos do Orkut é tornar a vida social de seus usuários mais ativa. Inúmeros recursos são oferecidos para que o indivíduo se torne (re)conhecível pela máxima quantidade de pessoas possível. Assim, um álbum de família que passe despercebido é indesejável.
- Vitrine: Os álbuns de fotografia no Orkut funcionam como vitrines no momento em que expõem a vida de determinado usuário aos demais “presentes” nesta rede. Nestes espaços virtuais, as pessoas precisam ser vistas para existir, ser alguém depende da visibilidade perante outrem.
Tópico 5 – Imagens de família na internet: um reflexo do que se é: Relendo um trecho tão belo quanto intrigante de “A câmara clara” de Roland Barthes, quando este, em busca da “essência” da fotografia enquanto forma de expressão se depara com uma imagem da própria mãe, aos 5 anos de idade e observa ali “a verdade” do que fora aquela mulher, as autoras iniciam a discussão acerca da fotografia enquanto repositório de imagens verossimilhantes em relação àquilo que representam. No caso de Barthes, ele não revela a imagem de sua mãe sob a alegação de que ela, a olhos estranhos, não seria mais que “uma fotografia indiferente”. O autor guarda-a em seu íntimo, onde ela assume o lugar máximo no que se refere à verdade através de uma imagem. O resguardo adotado por Barthes reflete também a ideia de uma personalidade sólida, imutável com relação ao tempo. “[...] para ‘ser alguém’ era preciso dispor de um refúgio protegido, para permanecer sendo alguém era preciso também ser resguardado.” (p. 52).
No entanto, a configuração social em torno da internet e suas diversas facetas de interação social parece, segundo as autoras, representar o auge do conceito de multidão solitária, com o sujeito se constituindo a partir do que está “fora de si”. As autoras utilizam o exemplo de Vanessa (nome fictício de uma usuária do Orkut) para compreender as dinâmicas envolvidas no compartilhamento de fotos familiares em ambientes digitais.  Observa-se que a internauta tem o cuidado de adicionar legendas em suas fotos, como forma de “esclarecer” aos outros usuários quem são as pessoas de seu círculo primeiro de relações. Em uma destas imagens, Vanessa põe lado a lado uma fotografia de quando tinha 5 anos de idade e uma atual. A legenda que utiliza é: “onde você se reconhece: na foto passada ou no espelho de agora?”. Ao contrário da mãe de Barthes, reconhecível ao longo do tempo, Vanessa parece saber que em uma destas imagens não é mais possível reconhece-la. A usuária, neste gesto, desperta o interesse de Diogo e Sibilia, que afirmam que esta pessoa é o que mostra ser: algo que pode e deve mudar, um ser instantâneo e fugaz, que se refaz ao atualizar seu profile no Orkut.


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS - POSCOM - UFBA
DISCIPLINA: COM544 – TEMAS EM CIBERCULTURA
PROF. JOSÉ CARLOS RIBEIRO E MALU FONTES

FICHAMENTO – “Por favor, aula hoje não!:” O Orkut, os professores e o ensino.
BERGMANN, Leila Mury. “Por favor, aula hoje não!:” O Orkut, os professores e o ensino. In COUTO, E. S.; ROCHA, T. B. A vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2010 (p.57 - 77).
POR FELIPPE THOMAZ E LORENA SILVA
Sobre a autora:
Leila Mury Bergmann é professora de Língua Portuguesa, mestre e doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é bolsista de Pós-Doutorado Júnior do CNPq, sob a supervisão de Rosa Maria Bueno Fischer.
Objetivos do capítulo: O presente capítulo objetiva fornecer reflexões acerca de práticas ofensivas dos alunos para com seus professores em comunidades no Orkut. Desta maneira, propõe compreender os motivos que levam os alunos a adotarem tais posturas e convida os próprios professores a pensar métodos de utilização das ferramentas digitais em benefício próprio. Ou seja, Bergamann anseia fornecer caminhos para repensar a prática pedagógica.

Argumentação Central: A partir de comunidades de fundo ofensivo no Orkut – postura adotada dos alunos aos professores -, a autora aborda temas relacionados à utilização das “novas” tecnologias no contexto escolar como forma de diminuir o abismo dialógico entre o professor e aluno. Para tanto, parte da exemplificação de práticas em comunidades virtuais para compreender os motivos que levam os estudantes a adotar tais práticas e propõe uma reflexão acerca dos métodos utilizados no fazer pedagógico.

Tópico 1 - Introdução: Ao início do texto, a autora apresenta de maneira sucinta a abordagem que pretende fazer ao trabalhar com os comentários feitos em comunidades do Orkut cuja a atenção se volta a comentários negativos e ofensivos a professores e às escolas em que estudam.
Para tanto, pontua alguns direcionamentos teóricos que serão abordados ao longo do texto, dentre eles, a ideia de discurso segundo Foucault. Este, afirma que o discurso não é algo externo ao objeto ao qual se refere, mas entende o ato enunciativo como formador daquilo a que se refere. Compreendendo o discurso como um processo de construção de sentido e observando a “febre do Orkut”, a autora tenta compreender os motivos que levam os alunos a criarem comunidades como “Mate aula antes que ela te mate!”.
Por se tratar de um texto de 2007, a autora trata as redes sociais digitais – especificamente o Orkut – enquanto um campo ainda novo, que merece considerações acerca de suas características fundamentais, como o fato da produção dentro destes ambientes ser voltada ao compartilhamento e à publicização. Neste sentido, as autoras apontam à necessidade de questionar a “veracidade” das informações criadas e partilhadas nestes ambientes, uma vez que os usuários não são obrigados a “serem eles mesmos” nestes ambientes. Não a toa, elas apontam para a criação de perfis falsos como uma prática comum a usuários racistas e “bisbilhoteiros”.
A partir desta breve apresentação, Bergmann parte às considerações gerais sobre a pesquisa.
Tópico 2 – Considerações gerais sobre a pesquisa: A autora faz um apanhado geral das perspectivas teóricas que irá adotar no presente trabalho como forma de apresentar-se ao leitor – a sua formação, a justificação do campo teórico adotado etc. Inicialmente, frisa que irá observar a relação da escola com as “novas” tecnologias, principalmente no tocante a utilização pelos alunos no sentido de promover críticas a seus professores e à escola em que estão inseridos. Baseando-se na ideia de discurso segundo Foucault, os comentários presentes nestas comunidades participam ativamente na construção das narrativas sobre professores e escola. A intenção da pesquisadora é “mapear” os motivos destes comentários, compreender as dinâmicas intencionais envolvidas no ato de fazer um comentário violento acerca do próprio professor.
À luz dos “estudos culturais”, Bergman toma a “pedagogia como fenômeno cultural abrangente e complexo, a qual se concretiza tanto no âmbito das instituições e instâncias estritamente educativas quanto em outros territórios e artefatos do mundo contemporâneo” (p. 62). Neste sentido, a pesquisa visa contribuir para o campo da educação e das tecnologias digitais.
Tópico 3 – Cultura, mídia e novas tecnologias: “Inúmeras são as mudanças no plano educacional provocadas pelas mídias e pelas novas tecnologias” (p. 63). A difusão das tecnologias digitais modificou a tal ponto a estrutura de escola que o papel do professor em sala também foi alterado. Antes este era visto como o detentor do conhecimento, dotado de poderes repressores totais e através de quem o “saber” era transmitido; o professor contemporâneo, por outro lado, ocupa um espaço de mediador do conhecimento, seu papel em sala é mais um orientador que uma autoridade máxima, portadora do saber, uma vez que os alunos têm, com a internet, inúmeros canais de acesso a informação.
Neste sentido, a autora já aponta para uma série de problemas entre os professores e as tecnologias digitais. Verificando uma relutância por parte destes em utilizar as novas tecnologias em benefício da própria didática, estes observam os computadores (e demais dispositivos eletrônicos) como “concorrentes”. A escola convencional parece não acompanhar a velocidade dos avanços tecnológicos. Com base nestas afirmativas, a autora ressalta a necessidade das instituições considerarem as tecnologias para elaborar, desenvolver e avaliar práticas pedagógicas. Enquanto esta reflexão não é feita, as práticas “subversivas” se disseminam pelos alunos, como é o caso das comunidades do Orkut que ofendem os professores.
Tópico 4 – Orkut/comunidades/scraps – retratos e recortes da vida escolar: Bergmann inicia este tópico aproximando-se da ideia de comunidade segundo Bauman. De acordo com o autor, há uma relação direta entre comunidade e segurança, situando o outside como um local perigoso e ameaçador. Pertencer a determinada comunidade, constituindo assim um grupo identitário, produz a sensação de estar seguro nos indivíduos. Considerando as particularidades do meio enquanto um ambiente de interação alterdirigido, a autora cita Silveira (2006) quando esta afirma que o fato de pertencermos a determinada comunidade não implica na necessidade de participar das conversações na mesma. “A questão central é o que ela diz sobre nós aos outros que visitam nossa página” (p. 66).
Em seguida, a autora parte à descrição do método adotado na pesquisa: selecionando comunidades relacionadas ao tema de interesse mediante a quantidade de usuários (preferência às comunidades de maior número de usuários), tópicos de discussão com no mínimo dez participações foram escolhidos. Entre as comunidades trabalhadas “Eu odeio professor frustrado” e “Odeio professora mal-comida”, ilustram o nível pejorativo encontrado em tais ambientes.
O Orkut é abordado como um dos principais espaços utilizados pelos alunos para poder objetivar aquilo que verdadeiramente pensam sobre seus professores, sem o risco direto de serem reprimidos por estas atitudes. Estas práticas são ofensivas e desrespeitosas, e, ao longo do texto, a autora cita diversos exemplos que ilustram tais comportamentos. Os alunos, segundo Bergmann, sentem-se “ameaçados” (no sentido de Bauman, na p. 68) pelo poder exercido pelos professores e reagem demonstrando uma “sensação de resistência e poder”. No caso, a criação de uma comunidade deste tipo é um exemplo da manifestação desta sensação.
A autora cita um caso de “invasões” de professores em comunidades ofensivas e os reflexos causados na dinâmica daqueles grupos. O primeiro caso é de uma professora que, de certa forma, concorda com as críticas dos alunos e propõe um abrandamento daquelas reações pejorativas. Em outra ocasião, é evidenciada a reação violenta de um professor contra os estudantes, com xingamentos e palavrões.
Os danos causados pelas agressões dos alunos e professores requerem aproximações futuras, sobretudo no que diz respeito às implicações jurídicas. Questionar sobre como as autoridades irão lidar com o que acontece no Orkut é uma necessidade apontada por Bergmann. Além disso, a reflexão acerca das maneiras de utilização desta tecnologia pelos professores é apontada como urgente (considerando que o texto data de 2007). É “de suma importância que os educadores reflitam [...] sobre como operar com esses materiais que estão circulando nesse tipo de mídia (o Orkut), que representa, por assim dizer, a linguagem das novas gerações” (p. 71).
Tópico 5 – Algumas ilações: O tópico conclusivo aponta para a necessidade de repensar as práticas pedagógicas no contexto das tecnologias digitais, principalmente no tocante à utilização do Orkut. Tentar compreender os motivos que levam os estudantes a se comportarem de maneira violenta e ofensiva nestes ambientes é, em si, um esforço para repensar a postura do professor em sala, posicionando-se mais como um parceiro na busca por conhecimento que um ser dotado do saber.
As tecnologias não podem ser vistas como um abismo entre professor e aluno. Neste sentido, a autora discorre sobre uma experiência em sala de aula em que o diálogo com alunos permeou os assuntos relacionados ao Orkut e o que observou-se foi uma maior aceitação das ideias da professora. Por fim, Bergmann convida os professores a repensar o fazer pedagógico.


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS - POSCOM - UFBA
DISCIPLINA: COM544 – TEMAS EM CIBERCULTURA
PROF. JOSÉ CARLOS RIBEIRO E MALU FONTES

FICHAMENTO – A escrita no Orkut: vocabulário mais utilizado e aproveitamento do internetês para o ensino da língua portuguesa.
BISOGNIN, Tadeu R.; FINATTO, Maria José B. A escrita no Orkut: vocabulário mais utilizado e aproveitamento do internetês para o ensino da língua portuguesa. In COUTO, E. S.; ROCHA, T. B. A vida no Orkut: narrativas e aprendizagens nas redes sociais. Salvador: EDUFBA, 2010 (p.79 - 100).
POR FELIPPE THOMAZ E LORENA SILVA
Sobre os autores:
Tadeu Bisognin é mestre Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde sua pesquisa se voltou à compreensão da utilização “internetês” pelos jovens no Orkut, sob a orientação de Maria José Bocorny Finatto.
Maria José Finatto é doutora em Letras pela UFRGS e professora do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas pela mesma instituição, seu pós-doutorado foi junto ao Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional no ICMC-USP. Sua pesquisa volta-se à Linguística Aplicada, com ênfase em estudos sobre padrões do léxico em textos escritos.
Objetivos do capítulo: O presente capítulo apresenta dados levantados a partir do Banco de Português e do Orkut para identificar as características do “internetês” e a partir daí fornecer contribuições à metodologia de ensino da Língua Portuguesa para jovens.
Argumentação Central: Os autores reconhecem o internetês enquanto expressão linguística dotada de características próprias que, por sua vez, derivam de apropriações da oralidade e alterações da língua escrita. Neste sentido, pretendem oferecer recursos à investigação deste “dialeto”, tanto do ponto de vista teórico quanto prático, ao elencarem uma série de possíveis atividades a serem realizadas em salas de aula pelos professores.
Tópico 1 - Introdução: Intrigados pelas críticas feitas ao internetês, ou seja, à maneira peculiar de escrita presente na internet, os autores realizaram um levantamento estatístico que visa responder à complexa pergunta: como deve reagir a Escola brasileira diante desta nova maneira de escrever, cada vez mais vivenciada pelos estudantes?
Apresentando brevemente os tópicos subsequentes, é feita a descrição da pesquisa e dos métodos adotados no presente estudo. Foi realizada uma pesquisa linguística sobre o vocabulário empregado por jovens de 15 a 23 anos em depoimentos e recados no Orkut. Para tanto, utilizou-se a Linguística de Corpus como método investigativo no intuito de explorar padrões de uso da língua em grandes conjuntos de textos. Discorrendo brevemente sobre a abordagem metodológica, no Orkut 553875 palavras foram compiladas para posterior observação. A metodologia da Linguística de Corpus requer a comparação com diferentes usos da escrita e, neste sentido, mais dois conjuntos de dados foram utilizados: o Banco de Português (1289949 palavras) e um terceiro conjunto, composto de redações escolares, textos jornalísticos e textos de livros didáticos (571090 palavras). Por palavra, no artigo, entende-se qualquer conjunto de caracteres entre dois espaços em branco. Assim, tanto “rsrsrs” quanto “trabalho” é compreendido enquanto palavra. Além disso, há a possibilidade de agrupamentos de palavras isoladas em grupos. Tecnicamente, as palavras “soltas” são chamadas tokens (itens) e os conjuntos de palavras relacionadas são chamados types (tipos). Estas duas unidades de medida são importantes para a compreensão da pesquisa feita pelos autores.
Tópico 2 – Registro e análise dos dados identificados: Como uma variação da língua portuguesa culta, o internetês utiliza-se de abreviaturas, siglas, neologismos e símbolos em sua composição. Compreender estes “códigos” não é tarefa fácil para aqueles que não estão acostumados à utilização da internet.
Bisognin e Finatto apresentam 17 exemplos de modificações em relação à grafia oficial que constituem o corpus de investigação. Dentre eles, a reprodução da fala (axo, poko); substituição do acento agudo por h (eh, peh, feh); palavras sem vogais, composta somente de consoantes (gnt, td, dps, flw); onomatopeias para riso e choro (hehe, haha, tsc tsc); uso de emoticons (:), >/, \o/), entre outras utilizações comuns.
A partir daí, é possível pensar o internetês como uma “recriação gráfica das línguas escrita e falada preexistentes, enriquecida com representações e simbologias” (p. 85). Desta maneira, todos estes códigos devem ser compreendidos enquanto suportes de representação das emoções humanas e não de maneira isolada de seu contexto original. A leitura que é feita quando nos deparamos com um “vc” ou “tb” não é a união de letras tão somente (vecê, tebê), mas fazem alusão às palavras que representam.
Citando o trabalho de Bagno, os autores apontam para o fato de que no Brasil, no tocante à escrita, “as pessoas tendem a confundir o todo do português com a sua ortografia oficial”. Isto explica um pouco as críticas feitas ao internetês. Apesar de haver uma preocupação com as formas de escrita provenientes da internet, numericamente estas expressões não somam sequer a metade das utilizadas nos ambientes digitais. Conforme os dados apresentados, cerca de 80% das palavras escritas no Orkut possuem grafia correta, relegando em torno de 20% para a utilização do internetês. No entanto, a lógica deste “dialeto” fica evidente quando os autores demonstram que a maior parte das palavras escritas no Orkut possuem duas ou três letras.
A pesquisa contempla a utilização em várias regiões do Brasil, gerando a necessidade de criação de nove subcorpora regionais, para identificar a influência que a localização exerce sobre os indivíduos conectados.
Tópico 3 – Traços de oralização sobre a escrita no Orkut: No presente tópico, os autores voltam a atenção ao levantamento das palavras mais utilizadas nestes ambientes. De acordo com a metodologia apresentada anteriormente, em que foi feito um cruzamento entre a língua falada, escrita e o internetês tornou-se possível perceber uma relação direta entre a fala e a linguagem aplicada no Orkut. “De” é a palavra mais utilizada na escrita, mas ocupa o sexto e o quinto lugar, na fala e na escrita respectivamente. Por outro lado, as palavras da fala e do Orkut ocupam lugar semelhante, sendo possível dizer que são as mesmas, caso não fossem escritas de formas diferentes. “Que” é o item lexical mais empregado nestes dois ambientes citados.
De acordo com os dados apresentados, os autores apontam ainda para cinco especificidades e exemplos da oralização do internetês:
- Presença de marcadores conversacionais: “Nossa...” “Putz...”
- Presença de muitos períodos curtos e simples: “veja bem... na minha vida agora... é só trabalho... estudo... correria...”
- Emprego de léxico coloquial: “O que anda aprontando?????”
- Uso de frases truncadas: “a festa foi massa... foi eu e a pri... o povo lá da bio foi também... e um povo migo do povo...”
- Pouca densidade informacional: “e tu quer que eu fale o que?! Oo”
Os autores apresentam mais exemplos que evidenciam a ligação entre a língua falada e o internetês, sob a influência também da linguagem escrita. É possível conceber este modelo enquanto um código escrito oralizado. “Na escrita oralizada que examinamos, a frase tende também a diminuir, constituindo-se muitas vezes de apenas uma, ou duas palavras.” (p. 91)
Tópico 4 – Aspectos da língua em constante fazimento:
Sintetizando seus objetivos e métodos, os autores iniciam o presente tópico ressaltando a necessidade de observar o uso da língua na internet (constantemente alvo de críticas) através de descrições sistematizadas e criteriosas.
Em linhas gerais, o que deve ser levado em conta é a adequabilidade da língua à circunstância onde está inserida. Neste sentido, o internetês não é visto como forma “errada” de expressão, mas como uma adaptação do português às peculiaridades da internet. O problema existe quando a fronteira que limita o uso desta forma de expressão é transposta e o internetês é confundido com a linguagem escrita formal. O papel da Escola é reforçado, no sentido de deixar claro que tudo depende de quem diz o que, a quem, como quando, onde, por que e visando um efeito (p. 91).
Contrapondo o senso comum, que critica o uso do internetês baseados em conclusões próprias e superficiais, os autores reforçam a necessidade de uma abordagem preocupada em compreender o que é língua, palavra, léxico, norma, variante, dialeto ou escrita. Feito isso, naturalmente à luz do campo teórico da linguística, será identificada uma característica essencial a qualquer língua “viva”: sua mutabilidade e adaptação. O influxo de novos termos deixa a vida viva e ela se encontra em “constante fazimento” ao longo do tempo. Por fim, o internetês é visto como “um dialeto social, o qual, segundo Dubois, é “um sistema de signos usados por um grupo social em referência a esse grupo” (p. 92).
Tópico 5 – Aproveitamento do internetês na escola: Este tópico possui interessantes desdobramentos para a adequação da escola às formas de linguagem presentes na internet. Com o objetivo de levar os professores a considerar o internetês como algo positivo, algumas recomendações de atividades a serem aplicadas em sala de aula são apresentadas pelos autores. As atividades são brevemente descritas abaixo:
- A proposta de uma discussão sobre a semelhança e diferença entre fala e escrita e os problemas de compreensão da linguagem encontrados no Orkut parece despertar às possibilidades de utilização e adaptação da língua portuguesa. Além disso, os autores sugerem a reescritura de recados e depoimentos do Orkut em “português formal”.
- De maneira semelhante à ideia anterior, a proposta de reescrever para a linguagem culta o que o aluno acha que o autor das frases abaixo quis dizer quando escreveu, por exemplo, “qlq coisa da um tok”, “fds mt show hein!?” ou ainda “falae troxa blz maluco”.
- Devido aos agrupamentos de “estilos” do internetês (como apresentados no tópico 3), os alunos podem ser levados à identificar traços comuns e criar uma regra para cada grupo.
- Sugere-se a elaboração de um texto autocrítico relacionado à exposição de dados pessoais no Orkut baseado na leitura do texto Problemas de segurança e privacidade no Orkut da ONG SaferNet.
Tópico 6 – Algumas considerações a partir das atividades propostas: De acordo com os dados e propostas apresentados ao longo do texto, alguns encaminhamentos para a utilização do internetês pelos alunos se mostram necessários a um maior diálogo professor-aluno. Compreender a linguagem peculiar da internet enquanto uma “variante diletal de escrita oralizada” é reconhecer os alunos enquanto poliglotas dentro da própria língua. Obviamente que tais intentos não se confundem com a substituição do português formal, da escrita culta. O objetivo é não rechaçar uma forma de expressão já inserida no contexto dos jovens e que parece não retroceder, devido a forma de comunicação apressada, comum à internet.
Tópico 7 – Conclusões: Compreender o internetês enquanto uma forma de linguagem própria, resultante da inserção de elementos da oralidade e da alteração das regras ortográficas é necessária à adoção de medidas que compreendam estas adaptações linguísticas em uma perspectiva otimista.
O internetês do Orkut, especificamente, é uma variação dialetal escrita dotada de características próprias. Neste sentido, compreende-se a linguagem enquanto um processo em constante fazimento, sofrendo alterações e modelagens ao longo do tempo.

Investigar os métodos de utilização deste dialeto é também considerar a possibilidade da língua incorporar tais elementos em sua estrutura, em um movimento bilateral de influência.



FICHAMENTO 2 – A VIDA NO ORKUT: NARRATIVAS E APRENDIZAGENS NAS REDES SOCIAIS
SOBRE OS AUTORES:
Vivência do Orkut nos espaços públicos: Tabuleiro Digital
SAMPAIO, Joseilda de Souza - Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal da Bahia (2011). Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC/UFBA).
BONILLA, Maria Helena Silveira - Professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da UFBA, Doutorado em Educação pela UFBA – 2002.

A relação de fascínio pelo Orkut: retrato da hipermodernidade líquida, espetacular e narcísica
MEDEIROS, Rosangela de Araujo – mestra em educação e tecnologia digital pela Universidade de São Paulo.

O Orkut e a velhice: comunidades e discursos
BRANDÃO, Maria de Fátima Morais - Mestrado em Educação pela Universidade Luterana do Brasil.
SILVEIRA, Rosa Maria Hessel - Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, 1995.

Corpos ‘gordos’ no Orkut: escritas sobre si e os outros
GARBIN, Elisabete Maria - Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul na Linha dos Estudos Culturais.
 CAMOZZATO, Viviane Castro - Licenciada em Pedagogia, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

OBJETIVO
O artigo “Vivência do Orkut nos espaços públicos: Tabuleiro Digital” discute como Orkut é visto pelos profissionais de educação, quando utilizado em espaços públicos e com liberdade para acessar qualquer site, por meio do projeto Tabuleiro Digital realizado na  FACED/UFBA. No artigo intitulado “A relação de fascínio pelo Orkut: retrato da hipermodernidade líquida, espetacular e narcísica” o objetivo é entender o que levaria os adolescentes terem um certo do fascínio pelo site Orkut. Os dois últimos artigos, utilizados para o seminário, “O Orkut e a velhice: comunidades e discursos” e “Corpos ‘gordos’ no Orkut: escritas sobre si e os outros” discutem como os usuários do Orkut se manifestam em comunidades criadas para discussões relativas a velhice e a autoimagem.
ARGUMENTAÇÃO CENTRAL
Os artigos trazem para discussão a questão do acesso à informação, o fascínio pelo Orkut e a questão sobre a imagem de si e do outro nas redes sociais.
O acesso à informação deve ser democrático e livre. O Orkut é uma meio onde se pode, também, adquirir conhecimento, informação e, além do mais, proporciona interação entre as pessoas, que dessa forma, trocam informações e geram conhecimento. Os educadores e a sociedade devem entender as redes sociais como algo que faz parte da contemporaneidade, e assim sendo, parte da vida dos jovens de hoje. Os educadores devem fazer do Orkut e, sobretudo, das redes sociais, instrumento do processo de aprendizagem nas instituições de ensino. O Orkut como um ambiente aberto a discussões, a interação, a criação de grupos, ambiente que permite a exibição da imagem, assim como a criação de outra imagem, atraem jovens e adultos que as autoras classificam como frutos da hipermodernidade líquida, espetacular e narcísica onde o estar, o ter e o ‘a-parecer’ são características marcantes. Neste ambiente aberto e “livre” surgem grupos diversos que discutem temáticas muitas vezes preconceituosas, de incentivo a violência e de formação de um conceito de beleza perigoso. Dessa forma, o Orkut se caracteriza como um ambiente onde podemos encontrar tanto internautas que se agrupam em comunidades para discutir temas benéficos a sociedade ou não.

TÓPICO 1 -  O USO DO ORKUT EM AMBIENTE PÚBLICO
No Brasil o indicie de usuário de internet ainda é baixo. O Tabuleiro Digital, Projeto desenvolvido na FACED/UFBA – Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, segundo as autoras, procura atender uma parcela da população que não tem acesso as tecnologias da informação e comunicação. Com a implantação do projeto, que permite aos alunos da FACED/UFBA e da comunidade, utilizar computadores distribuídos pelos pátios da instituição, os possibilitando acessar os sites que lhes forem mais convenientes como as redes sociais, chats, jogos etc. As coordenadoras do Projeto verificaram que os alunos da FACED/UFBA apresentaram insatisfação ao vê alguns usuários acessando sites de “entretenimento” quando estes desejavam usar o computador para trabalhos acadêmicos e-mails e outros serviços que julgavam mais importantes. As autoras pontuam que devemos entender que estamos em um momento onde as redes sociais devem ser usadas como parceiras no processo de aprendizagem, que se deve utiliza-las para motivar os alunos e que tanto atuais quanto futuros profissionais da educação devem vê-las como instrumento de trabalho e como parte da vida cotidiana de todos nós.
TÓPICO 2  - FASCÍNIO PELO ORKUT
O Orkut é um ambiente que fascina os usuários pelas possibilidades que lhes garante. No Orkut o usuário pode ser alguém que não é, ou seja, tornar-se alguém que gostaria de ser. Para os autores não é Orkut que transforma os usuários, tanto um quanto outro é sujeitos e objeto da cultura atual.
Através de uma pesquisa realizada em 2006 com adolescentes e pré-adolescentes do 2º ciclo do ensino fundamental da periferia de São Paulo, as autoras concluíram que o nosso tempo é retratado pelo: ESTAR – efemeridade das coisas, imediatismo e consumismo; TER – ter mais amigos, significa ser mais popular, ser mais “famoso”; e A- PARECER – construção de um cenário de acordo como o usuário gostaria de aparecer, afinal “ o show é armado para ser visto”(p.154). O Orkut proporciona todas estas coisas que fazem parte do momento em que vivemos.

TÓPICO 3 – VELHICE E AUTOIMAGEM NO ORKUT
O Orkut permite que os usuários criem comunidades com diversas temáticas, que suscitam discussões em todas as esferas. Os velhos no Orkut são vistos como tarados, fofoqueiros, incapazes de exercer funções como dirigir automóveis, usuários de uma linguagem desprezível e invasores do espaço dos jovens – quando se tornam também usuários do Orkut. Esta intolerância com os idosos é apresentada e incentivada nas comunidades do Orkut onde, em contra partida, também se encontram comunidades que valorizam a terceira idade, onde os membros expressam o prazer em dialogar com os idosos e ouvir suas histórias.
A autoimagem é outra discussão levantada dentro das comunidades do Orkut. Como é o caso das meninas que apresentam fascínio pelo corpo magro e utilizam das comunidades para incentivar umas a outras a se manterem sempre mais magras. Há também as comunidades que expressão repúdio as pessoas acima do peso, identificando estas como seres indignos de vida e que deveriam ter vergonha de si mesmo.

CONCLUSÃO
O Orkut (assim como as redes sociais que viriam após ele) é uma realidade na vida cotidiana de todos nós, usuários dele ou não. O que se deve fazer é aceitá-lo como parte da sociedade contemporânea e deve ser utilizado como instrumento na educação dos adolescentes, já que este faz parte de suas vidas e fechar os olhos, para esta realidade, é querer marginalizar estes jovens do que há de atualidade.
As redes sociais podem ser utilizadas para diversas finalidades e são inúmeras as comunidades do Orkut. Nelas teremos diversas discussões umas mais agradáveis para certo grupo outras não. O Orkut, então, seria um espaço onde se produz e circulam discursos, “onde circulam descrições e narrativas produtoras de representações legitimadas como verdades, como senso comum, como discurso corrente e dominante” (p. 186 e 187).

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