MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete: The virtue of forgetting in the digital age. New Jersey: Princeton University Press, 2009.
BELL, C. Gordon. O futuro da memória: Como essa transformação mudará tudo o que conhecemos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010
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Considerando que no futuro todos teriam o seu Lifeblog, avaliando
ainda o uso deste projeto em correlação com outras ferramentas como e-mails, sites
de buscas, etc, e considerando a riqueza de detalhes e informações acerca de
fatos e personagens, proporcionada pela funcionalidade deste suposto sistema, podemos
considerar os historiadores como agentes sociais fadados ao desaparecimento?
O mundo com Lifeblog não possibilitaria a “idealização do
passado” e eliminaria o “risco” do esquecimento. Com isto, a humanidade estaria
afastada de sentimentos de comportamento como a “nostalgia” e “perdão”?
Mayer-Schonberger,
no capítulo II contempla brevemente o papel da recordação e a importância do
esquecimento ao longo da história da humanidade. Traz o papel da Igreja como
controladora dos escritos em parte do primeiro milênio, reservando o acesso à
leitura aos membros do clero. A Igreja intermediava o acesso à literatura por
meio da palavra dos padres, bispos etc. Contextualizando esta situação com as
ideias de Gordon Bell, problematizamos: até que ponto o upload de informações
pessoais à nuvem não será uma premissa para um sistema de vigilância e
controle? De certo que ele aponta para esta questão, no entanto, seu
posicionamento não seria romantizado em demasia ao tratar questões de
monitoramento e vigilância?
A
ideia da memória como um produto dinâmico, em constante construção, implica em
custos cognitivos -sobretudo no tocante à fixação de informações a partir da
repetição. A pluralidade de recursos pelas quais a sociedade contemporânea se lifeloga não assumiria uma
postura de patologia coletiva devido à (ainda) incapacidade de compreender e
organizar as informações coletadas, como aponta, por exemplo, Paula Sibilia?
Podemos dizer que somos a última geração de seres humanos com "memória
interna"?
Ao compararem a memória biológica com a memória digital ou e-memory, Bell e Gemmell (2010) tendem a supervalorizar a convergência desta - incrivelmente precisa - para auxiliar àquela - subjetiva, fragmentada, distorcida por emoções, filtrada pelo ego, impressionista e mutável. Nesta sociedade que 'tudo vê, tudo sabe e tudo grava' sobre vida dos indivíduos, não poderíamos estar condenando todos a um sistema de constante vigilância e controle social, a exemplo do panóptico? Sabendo que esta mesma sociedade ainda não deixou de lado raízes preconceituosas e julgamentos arbitrários, os indivíduos que cometeram erros no passado estariam condenados para sempre a uma vida de sobressaltos e marginalização?
Mesmo reconhecendo o papel da lembrança para nos ajudar a lidar com a vida cotidiana, Mayer-Schönberger (2009) não considera o esquecimento sob a ótica da limitação, mas como algo fundamental para a experiência humana. Seu texto sugere utilidade numa eventual filtragem de informações e 'limpeza' do cérebro humano para nos ajudar a raciocinar de forma rápida e econômica ('lembrar-se de tudo não é útil o tempo todo'). Sendo assim, não poderíamos relativizar a ideia dos 'info-ricos', de que 'ter informações é ter poder', sobretudo na dependência do uso que podemos fazer delas? Em outras palavras, importa a quantidade ou a precisão - o quanto essas informações atendem as necessidades dos indivíduos, empresas ou Estados?
Gordon
Bell defende o lado positivo memória integral, destacando como os dados
podem ser armazenados, e contextualizados. De que forma esta
possibilidade de arquivamento de dados pode reconfigurar a produção
jornalística para além do presente? A contextualização ganhará mais imporância
no processo de construção da notícia?
Com base nas leituras, o autor Viktor Mayer-Schonberger afirma que “a linguagem também alterou a noção de tempo: se as informações do passado podem ser transmitidas para o futuro, estes dois tempos se encontram, se conectam”. Lembrei-me de uma série americana na qual o protagonista recebia sempre na porta da sua casa um jornal cuja edição era do dia seguinte, ou seja, a edição trazia ‘notícias do futuro’. Neste caso, a personagem estava a todo instante ‘medindo’ as suas ações e das pessoas envolvidas em determinado fato tendo como base a ‘notícia antecipada’. Ou seja, os fatores esquecimento versus lembranças estavam a todo tempo em cheque. O referido autor afirma ainda que o que é compartilhado, mas não é compreendido, não tem utilidade. Será que toda a informação que agora guardamos na nossa e-memory é efetivamente útil? É compreendida? Todas as pessoas que têm acesso às nossas ‘memórias’ são receptoras planejadas? Com a possibilidade de seguir, juntar e formar os nossos rastros digitais, podemos ainda falar em ‘receptor planejado’?
Em determinado ponto do texto, o autor Gordon Bell afirma
que “a e-memory dará novo sentido à vida de todos que a usaram. Ela não
eliminará a capacidade de autoilusão da natureza humana, mas certamente tornará
a verdade do que fizemos e do aconteceu à nossa volta mais disponível, mais
clara e menos obscurecida por um faz de conta nostálgico. [...] A ampliação do
autoinsight, a capacidade de reviver a própria história de vida em detalhes
proustianos, a liberdade de memorizar menos e de pensar mais criativamente e
até mesmo um gostinho de imortalidade terrena em conseqüência da “ciberização”
(registro de todos os elementos de vida de uma pessoa) – todos esses são
fenômenos psicológicos potencialmente transformacionais.”. Quetionei-me: de que
forma a e-memory ‘auxilia’ o repórter no seu fazer jornalístico, uma vez que a
atividade pressupõe o registro da ‘verdade’ do fato, mas tendo como base a
declaração de uma fonte, seja ela pessoa, banco de dados, organização etc?
A partir de uma visão um tanto determinista e supervalorizada dos possíveis usos da memória integral, Gordon Bell discorre sobre os benefícios de se adotar a prática do lifelogging. O autor explica que a chamada "geração Y", acostumada a disseminar informações de si na internet, faz uma diferenciação muito menor entre a vida pública e particular, se comparada à geração anterior. A seguinte afirmação do autor nos inquietou: "Talvez eu seja um tanto antiquado, mas a mim parece bobagem publicar um excesso de coisas, especialmente para um público de desconhecidos. O risco é grande demais e os benefícios são poucos. Meu lifelogging é pessoal e privado." Nesse sentido, problematizamos: em tempos de cloud computing, em que as informações ficam armazenadas não apenas nos dispositivos do usuário, mas na suposta nuvem de informações, em que medida é possível garantir que os registros ali armazenados são pessoais e privados? E mais: o que o autor considerada como logs privados, efetivamente? Esses conceitos não mereceriam uma maior atenção, a partir da discussão da memória integral?
Bell afirma que, a partir do registro digital completo da
vida do indivíduo, "será possível gerar uma cópia virtual de cada
pessoa" e que "suas memórias digitais poderão ser investidas no papel
de um avatar (uma persona sintetizada) com o qual futuras gerações poderão
conversar e passar a conhecer". E completa: "Seu eu digital estará
disponível para influenciar vidas no futuro, permitindo que você provoque
impacto em futuras gerações". Caso todas as previsões de Gordon Bell
concretizem-se, então será adequado considerar a memória integral como uma
espécie de ferramenta de gerenciamento de impressões maximizada e capaz de
fazer o indivíduo pensar na repercussão das suas ações num período de tempo que
se prolonga para além da sua existência - agora, infinita - , como imagina o
autor?
Viktor Mayer-Schönberger relete sobre como o esquecimento
tem se tornado caro e difícil, enquanto a memória, cada vez mais fácil e
barata. De que forma este novo cenário reconfigura o conceito de ética
jornalística? Os jornalistas deverão se cercar de ainda mais cuidados na
exposição de suspeitos de crimes, por exemplo, já que as notícias se mostram
marcas indeléveis?
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