domingo, 1 de abril de 2012

Fichamento - Autoapresentação e Gerenciamento de impressões [texto 1]


SCHLENKER, Barry. Self-Presentation. In LEARY, Mark.; TANGNEY, June. Handbook of  Self and Identity. The Guilford Press, New York, 2003. (p. 492 - 518)

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Por Flora Couto e Samantha Rebelo

Sobre o autor:

SCHELERN, Barry R.: Professor Emérito do departamento de psicologia da Universidade de Gainesville na Flórida. Fellow de diversas associações e institutos como o American Psychological Association (Divisions 3, 8, and 9); Association for Psychological Science; Society for Personality and Social Psychology. Revisor, Consultor editorial em diversas revistas e jornais científicos, dentre eles: Psychological Review; Psychological Bulletin; American Psychologist; Journal of Personality and Social Psychology: Interpersonal Relations and Group Processes. Leciona e pesquisa as linha de interesse: Gerenciamento de impressão e auto-apresentação; Identidade Moral e integridade; Self e identidade; Responsabilidade pessoal e influência social; Poder e Persuasão. Autor e co-autor de diversos livros: Schlenker, B. R. (1976). Social psychology and science: Another look. Personality and Social Psychology Bulletin, 2, 384-390 - Schlenker, B. R. (1975). Self-presentation: Managing the impression of consistency when reality interferes with self-enhancement.Homepage: http://www.psych.ufl.edu/~schlenkr/vita.htm e-mail: schlenkr@ufl.edu

Objetivos do capítulo:  O presente texto apresenta resultados de pesquisas em psicologia social, clínica, sociologia e áreas afins ao longo de 25 anos; dentro do marco teórico do Interacionismo Simbólico - que buscam explorar o tema do gerenciamento de impressão e auto apresentação. A intenção do autor é revisitar os principais constructos que sustentam a teorização em torno do gerenciamento por controle das informações, no sentido de manejar as impressões que emergem nas negociações simbólicas interpessoais e grupais. O autor delimita conceitualmente a auto-apresentação, quando o gerenciamento feito por um locutor, tem como intuito persuadir o interlocutor a formar uma representação identitária desse locutor; que seja a mais próxima de sua intencionalidade, imediata ou antecipadamente planejada. O autor desenvolve a conceituação  da auto-apresentação como um comportamento social, complexo, autômato e controlado, consciente e inconsciente, verbais e não-verbais, operando em devir na construção do entre das relações eu - outro social; e, dessa forma, mediado pela ambiência sócio – cultural - histórica. Para delimitar o constructo, o autor,  circunscreve suas intuições teóricas em torno das variáveis intervenientes Situação, Aspectos do self, Público; dentro de uma perspectiva de atributos individuais e do aspecto transacional na construção e função dos significantes identitários  na expressão da auto-apresentação. O autor marca Erving Goffman, como um dos mais renomados pesquiadores da área; e dentro da sua vasta contribuição,  está o livro ‘The presentention of self in everyday life (1959).

Argumentação Central: O que são e para que servem as auto-apresentações? Em nome de responder a essa pergunta, o autor centra seu argumento em torno da explicação, via teoria do Interacionismo Simbólico, de como se processa a ancoragem do Self nas interrelações sociais imediatas e planejadas, reais ou antecipatórias. As pesquisas levantadas pelo autor argumentam que o Self é um ente construído socialmente nas interrelações continuadas, cujo processo de formação é a mediação cognitiva. Cognição, sendo aqui entendido como esquemas conceituais de orientação interna que se auto- regulam continuadamente, via percepção seletiva de estímulos sensórios; que são guiados pela intencionalidade consciente ou inconsciente, controlados ou autômatos dirigidos para configuração de auto-conceitos, auto-imagens, crenças. Essas configurações de esquemas são definidores da percepção de si mesmo no mundo, do Self, dos outros sociais, e de um público em geral. Os estímulos perceptuais selecionados são entendidos pelos Interacionistas Simbólicos, como informações carreadas de signos, significados, significantes mutuamente compartilhados em sociedade; que são permanentemente negociados simbolicamente, para manutenção do enlaçamento social e construção de processos identitários, os mais genuínos, criativos e adaptativos, que se equiparem à imagem do Self preferencial. A chave da argumentação é que esse fenômeno, pregnante no entre das relações, pode ser gerenciado em suas cadeias de concatenações simbólicas, para gestar as impressões que um Self deseja associar a sua imagem identitária em um dado contexto, com um dado público: a esse comportamento social é dado o nome auto-apresentação.

Tópico 1 – Artimanhas e autenticidade: O autor inicia sua aproximação na conceituação do tema tentando levantar e distinguir as percepções mais restritivas e abrangentes sobre auto-apresentações; delimitando dois eixos centrais quanto as percepções de uso ou função: 1. a percepção de que a auto-apresentação pode ser erradamente vista, restritivamente, como um recurso de ‘artimanhas’, no uso do jogo social (ex. políticos,  vendas, ascensão social, crimes), cuja a função seria uma atividade superficial, fortuita, enganadora, decepcionante ou manipulativa; 2.  também envolve uma percepção de que a auto-apresentação tem a função de comunicar a um público um perfil de alguém, genuinamente autêntico, crível pela pessoa que age, como verdadeiro -  e que pode ser usada para realizar objetivos interpessoais, apenas influenciando as respostas dos outros para si. Seguindo a reflexão, o autor aponta que as auto-apresentações são de ordens diferentes, que co - existem;  mas não se excluem, nem preponderam umas sobre as outras. O autor continua explorando que mesmo com usos e funções diferentes, as pesquisas apontam que o processo de formação da auto-apresentação requer o mesmo objetivo genérico: o objetivo de ser incluso socialmente, gratificar e ser gratificado psicologicamente e materialmente; construir e assegurar uma identidade pública preferencial, dentre outros ganhos na relação interpessoal. Segundo Schlenker (2003) Interacionistas simbólicos como Mead(1934) e Cooley(1902) estão entre os primeiros a enfatizar que ações carregam significados simbólicos que influenciam as respostas dos outros ao self. O autor levanta várias pesquisas de teóricos do Interacionismo Simbólico que apontam que as negociações simbólicas podem ser reais ou antecipatórias a um dado encontro social; e são influenciadas por diversos motivos desde poder, vínculo, atenção, controle, tempo, forma, que impactam o conteúdo da atividade das auto-apresentação. Segundo Schlenker (2003), Goffman(1959) elaborou o tema quando ele descreveu a vida social como sendo uma série de atos nos quais a pessoa projeta suas identidades ou “faces” para os outros e se engatam em atividades mútuas que são governadas pelas regras sociais e rituais. Para o autor, esse processo de construção de um self identitário, nos engates dos encontros com os outros sociais, nas auto-apresentações, sempre ocorrem; mesmo que para isso os fins sejam um self enganoso(artimanhas) ou um self genuíno(autenticidade).

Tópico 2 – Processos autômatos e controlados na auto-apresentação: Segundo Schlenker(2003) a auto-apresentação, como todo comportamento social, pode variar em um contínuo de expressão de um comportamento automático à processos controlados de acordo com o espectro de consciência e processos cognitivos envolvidos. Para o autor, o processo automatizados ou autômato, são hábitos que operam fora da consciência, são involuntários – sem percepção de sua intencionalidade, fluxo, impacto da atividade da auto-apresentação - e pouco esforço cognitivo, e não são conscientemente controlados depois de iniciados. Dessa forma, os processos controlados, em polaridade, são voluntários, conscientes, permeados por processos cognitivos intencionalmente motivados e dirigidos para  meta - ou quando está diante de determinados tipos de audiências que sejam significantes para o self; na intencionalidade de obter controle sobre as impressões que se deseja impactar no público. Os processos automáticos nas auto-apresentações ocorrem em atividades que envolvem motivacões familiares, rotinas, scripts ou comportamentos aprendidos e reforçados em que os laços sociais não oferecem ameaça ao seu processo identitário: por não apresentarem metas específicas ou por serem contextos conhecidos, dispensam controle e pouco envolvem processos conscientes já que não estimulam no ator uma preocupação maior em causar boa impressão. Segundo Schlenker(1980,1985); Schlenker,Britt & Pennington, 1996) estes sugerem que alguns padrões de forma de auto-apresentação roterizam o guia de ação, usualmente demaneira não pensada, em situações relevantes. Esses roteiros do self são incorporado sem um amplo roteiro cognitivo(Abelson, 1976) que ajuda pessoas a negociar situações sociais. Processos autômatos também podem ocorrer em resposta à uma  sobrecarga de informção circulante, ou pressão do momento,  interferindo com  processos coginitivos habituais - os scrippts sociais - que se tornam disfuncionais e disparam comportamentos inconsciente, novos roteiros; por características específicas do público e da situação, e onde o sujeito parece não dimensionar a extensão que o tal comportamento é influenciado pelo tal contexto social e suas próprias metas interpessoais (Jones, 1990; Schlenker, 1980, 1985; Tetlock 7 Manstead, 1987). Ou seja, mesmo operando no modo autômato, não existe um self-consciente atento ao controle de impressão feita em resposta aos outros; pórem,  há uma atividade objetivada de contruir e proteger uma identidade que se estabelece diante de um contexto, situação e audiência.

Tópico 3 – Configurando a auto-apresentação - desenhando uma auto-apresentação desejada a partir do Self, Público e Situação: o autor circuncreve a configuração da auto-apresentação mediada por um engendramento transacional de informações oriundas de 3 eixos que são eles a audiência, da situação específica, e dos aspectos do self (traços da personalidade, recursos mnêmonicos da história do sujeito e de personalidades de referências arquetípicas); dentro uma intencionalidade das metas e dos dimensionamentos do grau de relevância(razão, tamanho) dos contextos envolvidos.  Para construir comportamentos identitários desejáveis a partir desses eixos, o autor revisa pesquisas que apontam objetos transicionais que encorpam, dão sentido e são facilitdores dessa construção: a. o reforçamento da auto-estima, como fator de ancoramento de uma auto-imagem positiva e socialmente desejada; b. o reforçamento da consistência interna do Self, confirmando crenças de si mesmo que sustentam a face identitária do sujeito; c. organizar alvos, metas e motivações que intencionem comportamentos da audiência e do self do sujeito; que representem consequência benéfica, acreditavéis, e com credibilidade (para não haja sofrimento de sanções pessoais e interpessoais de forma que o indivíduo busque apresentar informações de si que seja capaz de manter a integridade identitária). Então parece não existir constância nem linearidade no estabelecimento de uma imagem particular do Self;  já que inúmeros são os fatores que modificam a auto-apresentação para que se torne apropriada conforme o contexto. Diante dessa impermanência, inconstância, e mútua interferência do tripé Self – audiência – contexto; podemos pensar que o intercâmbio entre as experiências privadas e públicas, de caráter representativo para o Self, pode cumprir uma função de troca simbólica com rede de afetação passível de ressignificação dos esquemas cognitivo de referência interna e externa do sujeito. Nesse sentido, o autor defende a teoria de que o Self  parece se auto-regular nas fronteiras de contato com esses eixos acima tipificados, de maneira a se colocar no lugar do outro, empatizar, perceber os sinais que sejam frutos de um encontro real, no ato de construção imediata; ou de modo antecipado( antes da auto-apresentação se operar no encontro com os outros sociais). Para Schlenker (2003) a auto-regulação nas auto-apresentação são guiada em parte pela pressão das audiências e contextos sociais (orientações extrínsecas) e por outra, pelo valores e crenças do indivíduo (orientações intrínsecas); podendo ocorrer, ambas, concomitantemente, sem uma sobrepor a outra e trazendo rede de impacto caso se polarizem. As orientações extrínsecas e intrínsecas estão vinculadas, respectivamente, a autoconsciência pública e/ou privada que o indivíduo apresenta e, independente de qual seja, as audiências irão influenciar na auto-apresentação deste por razões distintas. Essas impactações podem também surgir de situações em que as pessoas se encontram com suas identidades ameaçadas por razão de um erro ou incidente, não previsto em suas auto-apresentações. Como consequência são disparados novos rearranjos na tentativa do Self de buscar remediar a imagem identitária ameaçada através de estratégias de evitação de responsabilidade, defesa da inocência, desculpas e justificativas. Schlenker (2003) a eficácia da auto-apresentação irá depender de quão esses eixos estão alinhados e acessam relações benéficas: que mantenham o bem-estar das relações interpessoais, sustentadas em imagens e condutas não enganosas; em situações de segurança; sem ameaças simbólicas à desconstrução ou desorganização da constelação identitária preferencial do Self. O autor salienta uma função benéfica e social das auto-apresentações, quando esta media a aliança de cuidado entre pessoas ou grupos sociais com metas comuns, proximidade, e representatividade simbólica; via construção e proteção recíproca de suas imagens identitárias. Schlenker(2003) Goffman (1967) postula duas regras necessárias para esse fim: o auto-respeito (integridade da pessoa com ela mesma) e a consideração (integridade da pessoa com o outro).

Tópico 5 - Implicações Teóricas: O levantamento bibliográfico indicou um campo de pesquisa vasto e com uma amplitude de implicações dos resultados. Segundo Schlenker (2003), o pesquisador Jones(1964), descreveu a auto-apresentação como uma das 4 táticas de integração - em conjunto com lisonja, conformação de opinião, execução de favores - que mais eficientemente eliciam respostas de atos de amor disparadas pelo poder dos outros. Através da revisão prospectada sobre o gerenciamento de impressão, via auto-apresentação, é possível perceber que os resultados apontados possuem um potencial de transversalidade nas diversas áreas do conhecimento que tenham a produção de subjetividade e grupos sociais como objetos de pesquisa e de aplicabilidade profissional.  Apenas como exemplo simplório, podemos ver a aplicação conceitual na área de educação, gerenciando as impressões, via auto-apresentação nas relações professor – aluno.

Tópico 6 - Limitações e Direcionamentos Futuros: para Schlenker (2003) a pesquisa em auto-apresentação produziu muita informação, mas gerou probabilidades de futuros desdobramentos de pesquisa, dado ser o fenômeno uma complexidade com muitas interconexões de campos de saber. Essa mesma complexidade do objeto de estudo pode apontar limitações quanto à delimitação dos procedimentos científicos,  condicionando a intuição teóricas a reduzida possibilidade de generalizações; se principalmente pensarmos em ambiências transculturais. Segundo Schlenker (2003) a auto-apresentação como tema científico por muito tempo ficou com o uso restrito, que é focado na manipulação, em um lado ilícito da auto-apresentação; mas que o objetivo singular da mente que é ser gostado, é ainda o caminho que os pesquisadores  devem focar o termo para futuras pesquisas. Hoje, então, pesquisar em auto-apresentação cobre muito mais. Auto-apresentação tem emergido como um importante e funcional conceito em psicologia social; e parece ser possível problematizar se elas poderiam ser indicadores dos sentidos de pertença nos agrupamentos sociais, e ferramenta de promoção de diversidade criativa na vida cultural de uma sociedade.

Tópico 7 - Conclusão: O autor pontua que a auto-apresentação é um comportamento social, que ao ser instrumentalizado de forma consciente, pode servir a uma ferramenta para a interação social benéfica - que ajudam os outros a construir e proteger suas identidades desejadas – e um recurso reflexivo para uma atitude crítica, quando envolve atividades manipuladoras, egoístas, destinadas a explorar outros. Nesse sentido a negociação simbólica, mediada cognitivamente, emocionalmente, sensoriamente dentro dos grupos sociais, exige uma noção de self individual indissociável do interrelacional. Assim, o conceito de auto- apresentação, ganha uma dimensão importante - estando em perspectiva individual e/ou transacional, e sendo um comportamento social - na função processual de organização das metas interpessoais, e no estabelecimento de roteiros identitários; oriundos de aporte sócio-culturais expressos em seus rituais e pactos de consenso de convivialidade. Podemos então concluir, que as pesquisas sobre auto-apresentação apontam para esta ser um constructo de grande relevância para compreensão do fenômeno subjetivo, da comunicação social e dos comportamentos sociais como um todo.

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